Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Rir da desgraça alheia

Reality show faz sucesso mostrando pessoas comuns em situações ridículas

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No esforço de se tornar uma grande produtora de conteúdo, a Netflix investiu inicialmente em séries e, logo em seguida, em documentários e filmes de ficção. Com jornalismo e esportes fora de suas prioridades, a empresa passou a dar atenção também, nos últimos anos, ao menos nobre (e mais popular) dos gêneros, o reality show.

Muitas das apostas foram em variações de formatos convencionais que a TV comercial já explorava com sucesso desde a primeira década do século: competições de culinária (“The Final Table”, “Nailed It”), moda (“Queer Eye”, “Next in Fashion”), decoração (“Ordem na Casa com Marie Kondo”) e namoro (“Dating Around”).

No ano passado, a Netflix tentou fugir do óbvio com o bizarro “Selling Sunset”, um programa que acompanha a vida de corretores de imóveis em Los Angeles. Não deu muito certo.

Por que reality show que diverte é aquele que testa os limites do participante em situações absurdas e impensáveis. E faz o espectador rir, envergonhadamente.

Agora em 2020, com os lançamentos de “The Circle” e “Love Is Blind”, finalmente, o serviço de streaming mostrou que não está de brincadeira em matéria de reality show destinado a provocar “guilty pleasure”.

O termo em inglês, literalmente “prazer culpado”, cai como uma luva diante destes programas ruins, mas irresistíveis, em que você ris em parar do constrangimento alheio, mas evita dizer publicamente que gosta.

“Love Is Blind” promove possivelmente a experiência mais radical já exibida num reality show. O título em português escolhido pela Netflix entrega logo: “Casamento às Cegas”. Quinze homens e 15 mulheres, isolados segundo o sexo, têm alguns dias para se conhecer, sem se verem, conversando em salas fechadas. O objetivo é encontrar afinidades para casar de verdade.

No quarto dia do confinamento, como mostra o primeiro episódio, um homem e uma mulher se declararam apaixonados um pelo outro. No quinto dia, ele a pediu em casamento, e ela aceitou. Ambos choraram.

Numa segunda etapa do reality, os casais que se formaram foram levados para um resort no México, onde se conheceram um pouco melhor. Na sequência, tiveram a oportunidade de encontrar os familiares dos parceiros e, no 30º dia, subiram ao altar (um spoiler: alguns dizem “não” na hora agá).

O jornalista Troy Patterson definiu com poucas palavras, na revista New Yorker, o que sentiu ao ver o reality: “O fato de ‘Love Is Blind’ ser moralmente ofensivo à dignidade humana é a chave para seu sucesso artístico”.

“The Circle”, cuja versão com participantes brasileiros acaba de estrear, busca reproduzir uma experiência muito comum nos dias de hoje: a batalha por popularidade nas redes sociais.

O reality promove uma competição entre nove pessoas, confinadas num mesmo prédio, mas que se veem só por meio das imagens que divulgam em uma plataforma virtual. Com suas mensagens, fotos e conversas, elas tentam seduzir umas às outras com o objetivo de chegar ao final como a mais popular.

Menos radical e muito mais irônico do que “Love Is Blind”, este reality diverte ao falar de perto ao espectador. Cada participante expõe ao público a sua tática para ficar popular — um homem se apresenta como se fosse mulher, alguns disfarçam a orientação sexual, vários mentem a idade ou a profissão e uns poucos tentam se expor como realmente são.

Nesta semana, os dois realities estavam entre os cinco programas mais vistos da Netflix no Brasil. Como acontece também na TV aberta e na TV paga, rir da desgraça alheia (que é uma forma de rir de si mesmo, também) dá muita audiência.

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