Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Maratona

Circo da mídia nos tribunais

Série analisa o papel da imprensa em seis casos judiciais rumorosos nos Estados Unidos

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Em 6 de março de 1995, Scott Amadure revelou, durante a gravação do programa "The Jenny Jones Show", que sentia atração por um conhecido seu, presente no estúdio. Surpreso com o anúncio, Jonathan Schmitz abraçou o amigo, riu alto, mas registrou: "Sou heterossexual". Três dias depois, Schmitz assassinou Amadure com dois tiros no peito.

O crime teve dois desdobramentos, ambos ruidosos. Primeiro, o processo criminal e o julgamento de Schmitz, que nunca negou a autoria do crime. Segundo, o processo civil movido pela família de Amadure contra o programa, a produtora e a Warner, acusados de corresponsabilidade pela morte do rapaz.

Ex-governador de Illinois, Rod Blagojevich, cujo impeachment em 2009 é retratado na série "Condenados pela Mídia", da Netflix - Amanda Rivkin/AFP

Os dois processos foram acompanhados de forma detalhada pelo canal a cabo Court TV, especializado em julgamentos, que ironicamente também pertencia ao grupo Warner.

"Talk Show e Assassinato" conta esta história em 63 minutos, focando especialmente as diferentes estratégias de defesa do criminoso e, posteriormente, do grupo de comunicação.

Em segundo plano, o documentário explora as características do "The Jenny Jones Show", programa popular e sensacionalista, cuja marca maior era justamente surpreender os participantes com a revelação de situações que desconheciam. Foi justamente uma "emboscada" destas que levou ao assassinato.

Lançado há dez dias pela Netflix, o caso da morte de Scott Amadure integra um projeto ambicioso junto com outros cinco documentários, abrigados sob o título "Trial by Media" (literalmente, "Julgamento pela Mídia").

Os seis filmes tratam de casos judiciais rumorosos, mostrando os seus desdobramentos jurídicos e a forma como a mídia tratou as vítimas e os acusados. São situações intrincadas, apresentadas de forma ampla, sempre com estes dois objetivos: mostrar as estratégias de defesa e acusação no tribunal e o papel dos meios de comunicação na cobertura.

Muitas vezes, os jornais e as emissoras de TV são instrumentalizados por advogados ou promotores e influenciam decisivamente na forma como alguns crimes são vistos pelo público. Talvez o caso mais chocante em que isso transpareça seja o de Bernhard Goetz, um homem branco que em 1984 atirou em quatro jovens negros que o importunaram dentro do metrô, em Nova York.

Numa época de alta criminalidade na cidade, os tabloides apelidaram Goertz de "justiceiro" e parte da opinião pública se convenceu que ele agiu em legítima defesa, embora as vítimas não portassem armas de fogo.

Mas a espetacularização de alguns casos judiciais, como também ocorre no Brasil, nem sempre é ruim. Em várias situações, como no assassinato de um imigrante africano, Amadou Diallo, pela polícia, com 41 tiros, ocorrido em Nova York, em 1999, a imprensa se mostra fundamental ao expor questões que um dos lados da história buscou esconder ou distorcer.

Por isso o título em português escolhido pela Netflix, "Condenados pela Mídia", é um desastre e distorce a ideia do projeto. "Julgamento pela Mídia" é bem mais justo.

A série tem, entre os seus produtores executivos, três nomes de peso: o ator George Clooney, Steven Brill, criador da Court TV, e Jeffrey Toobin, analista jurídico da CNN e colaborador da New Yorker.

Ainda que o caso mais recente, o do impeachment do governador de Illinois, Rod Blagojevich, seja de 2009, a série ilumina os dias de hoje. É cada vez mais comum ver como advogados extrovertidos, grupos de pressão e empresas de assessoria de comunicação se movem com total desembaraço na luta para impor junto à mídia as suas versões de casos judiciais polêmicos.

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