Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer

CNN Brasil dá palco a negacionistas da ciência para parecer pluralista

Construção de imagem de veículos costuma ser lenta e longa, mas CNN tem pressa e não quer perder tempo com sutilezas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na visão do presidente Jair Bolsonaro, o jornalista Leandro Narloch, demitido em julho da CNN Brasil, faz parte de um grupo de profissionais “considerados nocivos dentro de grande parte da mídia, hoje completamente dominada pelo pensamento de esquerda radical”.

Na visão de Felipe Neto, um dos principais influenciadores digitais do país, Narloch faz parte de uma “direita radical” que “encontrou na CNN Brasil um recanto para validar suas loucuras”. Na sua visão, “sob a falácia da ‘pluralidade’, a CNN Brasil vem validando discursos radicais que jamais deveriam ganhar espaço em um jornalismo sério”.

As observações de Bolsonaro e Felipe Neto foram publicadas no Twitter na sequência do anúncio do desligamento do profissional pela emissora.

A CNN Brasil, claro, evitou entrar no mérito sobre quem tinha razão, ou mesmo se alguém tinha razão. O canal considera essas qualificações positivas. Ajudariam o público a enxergar a franquia brasileira da CNN como tendo uma posição equidistante no atual cenário de polarização política.

É, tudo indica, um objetivo prioritário na construção da imagem do canal, que chega a cinco meses no ar no próximo sábado.

Rafael Colombo discute com Alexandre Garcia, ao vivo, na CNN
Rafael Colombo discute com Alexandre Garcia, ao vivo, na CNN - Reprodução

A demissão de Narloch indica que o profissional ultrapassou uma barreira ao fazer comentários ofensivos ao público LGBT durante um programa jornalístico. Mas absurdos de outras naturezas são bem-vindos.

Duas semanas depois desse episódio, por exemplo, a CNN promoveu a estreia de Alexandre Garcia num quadro chamado “Liberdade de Opinião”. No seu primeiro comentário, o jornalista afirmou que o presidente Bolsonaro “é a comprovação científica de que o uso da hidroxicloroquina dá certo”.

Por choque ou educação, o âncora Rafael Colombo não respondeu na hora, mas só 15 minutos depois. Após ouvir o comentarista elogiar a atuação do ministro da Saúde, observou que o remédio “não tem eficácia reconhecida pela OMS”.

Na última sexta-feira, Garcia voltou a fazer apologia da cloroquina em seu púlpito na CNN Brasil. Desta vez, Colombo reagiu de imediato, lamentando que o colega defendesse um medicamento sem comprovação científica reconhecida.

“Ninguém provou que ela está funcionando, né, Alexandre?”, insistiu Colombo. “As pessoas que sobreviveram são a prova. É assim que começa a ciência, a experiência”, respondeu Garcia.

A construção da imagem e da reputação de veículos de comunicação costuma ser um processo lento e longo. A CNN Brasil, porém, tem pressa e não quer perder tempo com sutilezas.

No quadro “O Grande Debate”, essa estratégia de posicionamento da marca fica ainda mais clara. A discussão ocorre entre duas pessoas com visões flagrantemente opostas —em tese, uma mais conservadora e outra mais progressista.

“Temas relevantes com visões diferentes sobre um mesmo assunto para que você construa, então, a sua opinião”, repete Monalisa Perrone toda noite, antes de apresentar o tema do debate.

Gabriela Prioli e Augusto de Arruda Botelho, os dois comentaristas que encarnavam a posição mais liberal nos debates, deixaram o quadro. Ela permaneceu por duas semanas e ele saiu após três meses.

Ambos tiveram o cuidado de não tornar público os problemas que enfrentaram, mas parece claro que se cansaram do papel que cumpriam no quadro. Entenderam que a “falácia argumentativa” de seus oponentes, como disse Botelho, não incomodava o canal.

É bem possível que um dia, no futuro, a CNN Brasil abandone “O Grande Debate”, assim como a matriz fez depois de alguns anos. Mas, por ora, ele é muito útil ao marketing do canal.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.