Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Bom Dia, Verônica' deixa mensagem sobre violência contra as mulheres

Não há consenso na TV sobre a necessidade de repudiar situações que podem representar endosso à cultura do estupro

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A produção brasileira destinada aos serviços de streaming ainda é tão fraca que uma série como "Bom Dia, Verônica" está ganhando mais elogios do que merece por simplesmente cumprir o básico que se espera de um thriller policial.

Por básico considero o fato de contar com um vilão assustador (Brandão), uma vítima que gera empatia (Janete) e uma heroína complexa (Verônica).

Some-se a isso três bons atores (Eduardo Moscovis, Camila Morgado e Tainá Muller) entregando excelentes desempenhos na defesa desses personagens.

Há, ainda, ótimos momentos de suspense e ganchos que fisgam ao final de cada um dos episódios, inclusive o último, deixando aberta a possibilidade de uma segunda temporada.

A direção de José Henrique Fonseca é boa, mas o roteiro de Ilana Casoy e Raphael Montes deixa muito a desejar.

Como apontou a minha colega Luciana Coelho, aqui na Ilustrada, causam incômodo o excesso de clichês, a construção hesitante da história e a superficialidade com que temas importantes são jogados ao vento.

Seguindo a cartilha da Netflix, "Bom Dia, Verônica" busca alcançar público global com uma história de sabores locais.

É um projeto ambicioso que exige muito de quem escreve.

Ainda que desande em vários momentos, a receita da série tem como ingrediente principal um tema realmente universal, de enorme importância: a violência contra a mulher.

Como bem mostrou "I May Destroy You", da HBO, a violência psicológica silenciosa contra as mulheres é uma das piores formas de agressão. "Bom Dia, Verônica" expõe isso.

Entre as várias vítimas de um serial killer doentio e as outras tantas que caem nas garras de um golpista misógino, é o sofrimento de Janete, do primeiro ao último episódio, que realmente consegue deixar uma mensagem forte. É doloroso, mas vale a pena encarar.

Apesar da atualidade do assunto, e da repercussão de um movimento tão importante como o MeToo, infelizmente, ainda não há consenso na TV sobre a necessidade de repudiar com veemência situações que podem representar um endosso à chamada cultura do estupro.

A defesa pública que o comentarista Caio Ribeiro (Globo e SporTV) fez da decisão do Santos de contratar o jogador Robinho, condenado por estupro na Itália, é um exemplo recente desse comportamento.

O clube somente desistiu do negócio depois de sentir a pressão feita por outros comentaristas, torcedores do próprio time e, sobretudo, patrocinadores.

Da mesma forma, é difícil entender a escalação do cantor Biel para o reality show "A Fazenda", atualmente em exibição.

Ele trouxe para o programa um histórico problemático, que inclui acusações de assédio sexual a uma jornalista e agressão à ex-mulher, entre outros.

Não é a primeira vez que esse reality oferece, como diria Caio Ribeiro, o "benefício da dúvida" a figuras com passado de acusações de violência contra mulheres.

A lista é enorme e inclui pelo menos sete participantes nos últimos 12 anos.

É claro que até que uma pessoa seja julgada e condenada, há a presunção de sua inocência. Mas o que leva um programa a selecionar tantos homens com esse histórico?

A direção do reality show da Record parece acreditar no poder de tornar os participantes pessoas melhores —e o público dá sinais de concordar (Dado Dolabella, por exemplo, foi o campeão da primeira edição).

Consciente disso tudo, Biel afirmou a uma colega de confinamento que não está preocupado em ganhar o prêmio de R$ 1,5 milhão.

"Aqui dentro é 'limpar uma barra' para que eu possa simplesmente trabalhar de novo", declarou Biel.

É a TV acumulando audiência e, em troca, ajudando na renovação da imagem do cantor.

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