Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Em tempo de eleição, a TV é fundamental também pelo que deixa de mostrar

Concessões públicas se sentem à vontade para ignorar princípios básicos, como apartidarismo

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Assim como ocorreu na eleição presidencial em 2018, o primeiro turno da disputa municipal em São Paulo ajuda a disseminar a ideia de que a TV aberta tem cada vez menos importância na decisão do eleitor.

Os defensores deste argumento lembram que, há dois anos, Jair Bolsonaro, hoje sem partido, teve direito a apenas oito segundos na propaganda eleitoral e Guilherme Boulos, do PSOL, agora, teve 17 segundos.

São fatos incontestáveis. Ambos construíram suas campanhas de forma competente longe da TV. Mas me parece cedo para enterrar um meio de comunicação que está presente em 96,4% dos lares brasileiros.

Sem esquecer que 45,9 milhões no país, ou 25,3% da população com dez anos ou mais, ainda não têm acesso à internet, segundo a Pnad, de 2018.

Com quase 40% do tempo total disponível para os candidatos na TV, Bruno Covas, do PSDB, conquistou 32% dos votos válidos no primeiro turno.

Nas três eleições municipais em São Paulo antes dessa se repetiu o fenômeno: o candidato com mais tempo no horário eleitoral acabou sendo o mais votado, mostrou um levantamento do site Poder360.

Em tempo de eleição, a TV ainda é fundamental pelo que mostra ou deixa de mostrar.

Na véspera do primeiro turno, o Jornal da Record engavetou uma pesquisa eleitoral encomendada pela própria emissora ao Real Time Big Data, que mostrava o candidato Marcelo Crivella, do Republicanos, e a delegada Martha Rocha, do PDT, empatados na segunda posição com 15% cada um.

O telejornal preferiu mostrar uma outra pesquisa, do Datafolha, que punha o prefeito com 18% e Martha Rocha com 13%. Crivella é sobrinho de Edir Macedo, dono da Record e fundador da Igreja Universal.

Há dez dias, o Fantástico exibiu reportagem sobre "o abismo entre ricos e pobres no Brasil" e observou que a desigualdade social passou a cair após a Constituição de 1988 e "se acelerou mesmo nos anos 2000". Não foi mencionado que esse período coincide com o governo Lula, de 2002 a 2010. Dilma Rousseff foi citada como a presidente em cujo governo começou uma crise e uma recessão.

Nenhum outro presidente foi mencionado na reportagem.

Fruto de extenso trabalho, apesar do nítido viés político, a reportagem de Sonia Bridi ocupou 14 minutos do dominical da Globo. Mas, como ocorre com frequência nos dias de hoje, foi motivo de muitos comentários só por causa de um trecho de 47 segundos, reproduzido isoladamente no Twitter.

Nesta passagem, Bridi aparecia em sequência subindo três escadas, uma normal e duas rolantes (uma que subia e outra que descia). E diz: "Para diminuir a desigualdade, é preciso primeiro reconhecer que não é só uma questão de mérito. Se todo mundo quer subir na vida, nem todos têm acesso à mesma escada".

No trecho mais marcante, quando tenta subir a escada que rola para baixo, ela fala: "Para a imensa maioria dos brasileiros, essa é uma luta inglória. Não importa o esforço que eles façam, não conseguem sair do lugar".

Alheio ao debate que a reportagem provocou, o ex-prefeito Fernando Haddad foi um dos muitos usuários do Twitter que elogiaram o vídeo de 47 segundos em que Bridi pôs em questão o discurso sobre meritocracia.

Ao ser bombardeado por militantes de esquerda, Haddad disse que não havia assistido à reportagem inteira, só ao trecho que viralizou. "Faz duas décadas que não vejo TV aberta", escreveu (e apagou depois).

Apostando na desatenção ao que exibem, concessões públicas se sentem à vontade para ignorar princípios básicos, como o equilíbrio editorial e o apartidarismo.

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