Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Impacto sobre Karol Conká lembra que o BBB não é apenas um jogo

Programa funciona como um show da vida e massacre que a cantora está sofrendo é a prova disso

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Por anos, o diretor Boninho posou de malvado e se recusou a aceitar que o Big Brother Brasil poderia ter impactos que iam além do que se via na tela. Para o diretor, o reality show lançado em 2002 era apenas um jogo.

Numa mensagem que ficou famosa, certa vez, escreveu no Twitter: “Botamos no BBB os piores, cabe a vocês decidir o menos ruim para ganhar o jogo. Não é um voto para vencer. É um reality para eliminar”.

Em uma rara entrevista, disse à Folha em 2010: “Não colocamos ninguém no BBB para discutir homo ou heterofobia, minorias... Não escolhemos um personagem representando coisas. O fato de ser ou não homossexual não é para interagir no jogo. Não estou preocupado se o cara é gay ou não. Ele não vai entrar por ser gay, mas pelo que traz para a competição”.

Mulher negra de dreads sorrindo
Karol Conká em conversa com Tiago Leifert após eliminação no BBB 21, em 23 de fevereiro de 2021 - Globo

Foi uma referência a uma edição que contou com três participantes homossexuais e a presença do lutador Marcelo Dourado, o vencedor, que fez declarações preconceituosas contra gays.

O tempo passou e Boninho entendeu que precisava mudar, usar a favor do BBB os assuntos que o público estava discutindo, ou queria discutir. Em 2019, a edição reuniu cinco participantes negros, um número recorde. Venceu o prêmio de R$ 1,5 milhão uma bacharel em direito que foi acusada de fazer comentários de cunho racista e intolerância religiosa.

Em 2020, ajudado pela pandemia de coronavírus, que teve como consequência o aumento do consumo de TV, o BBB voltou a bater recordes de audiência e de debates públicos.

O tema principal gerado pelo programa foi o machismo, secundado por uma situação de racismo velado. Mas desta vez o “bem” venceu. Os participantes masculinos foram eliminados um a um. Um trio feminino chegou à final, vencida por Thelma Assis, uma médica negra.

A edição passada inovou ao misturar participantes anônimos com figuras já conhecidas. A deste ano repetiu o formato, incluindo atores da Globo, músicos famosos e influenciadores digitais com milhões de seguidores nas redes sociais.

Boninho também ampliou a aposta na diversidade com nove participantes negros entre os 20 selecionados, sendo três homossexuais e dois bissexuais.

A rapper Karol Conká se destacou ao longo das quatro primeiras semanas do programa. Falou barbaridades, ofendeu diversos participantes, manifestou preconceitos, estimulou intrigas, mentiu, tripudiou dos adversários e promoveu o que, na visão de muitos, se caracterizou como terror psicológico.

Enquanto tocava fogo dentro do programa, aqui fora sua imagem e carreira derreteram. A participação que faria em dois festivais foi cancelada, um programa na TV que apresentaria teve a estreia suspensa, os seguidores nas redes sociais começaram a abandoná-la e o interesse por suas músicas nas plataformas de streaming despencou.

Não bastasse, os patrocinadores do BBB ficaram de cabelo em pé —a edição é um fenômeno comercial e um alento para a Globo neste momento complicado.

A emissora, que convidou Conká, sentiu o golpe. Nesta terça-feira (23), ao anunciar a eliminação da cantora com a maior rejeição na história do programa (99,17% dos votos), o apresentador Tiago Leifert lamentou que os fatos ocorridos dentro do BBB tenham “transbordado” aqui para fora.

“O que vocês fazem aí dentro, é aí dentro. Não deve transbordar”, disse, repetindo a ingênua sugestão que o BBB é apenas um programa de televisão, um jogo. O massacre que a cantora está sofrendo prova, mais uma vez, que não é.

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