Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Papel do crítico de TV se torna descartável no caos da pandemia da Covid-19

Com tragédia em curso, pessoas precisam se alienar um pouco, mas 'Amor de Mãe' está mais pesada do que nunca

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Após um ano de pandemia, escrever sobre televisão tem sido uma tarefa cada vez mais difícil e cansativa. Diante da tragédia que estamos testemunhando, frequentemente me questiono sobre o sentido de criticar séries, novelas ou programas de entretenimento.

Com uma média de 2.300 mortes por dia de Covid-19, é difícil exigir alguma coisa da televisão, além do respeito à verdade e à ciência na cobertura jornalística da crise.

Ah, o show não pode parar, alguém dirá. Não é verdade. Não interromper o show pode ser mortal. Esta semana, pela terceira vez, a Globo suspendeu as gravações de todas as suas novelas e séries. Na Record, três apresentadores foram internados com Covid-19. Geraldo Luís ficou 22 dias no hospital.

Más notícias como estas se espalham por todos os canais de televisão, produtoras, estúdios etc.

Com tanta tragédia, as pessoas precisam se divertir, se alienar um pouco. Concordo. Mas, para isso, ninguém precisa de um crítico de televisão estraga prazeres alertando que os principais lançamentos recentes são de séries bobas e irrelevantes. O espectador descobre isso sozinho —e se diverte. O papel do crítico é mais descartável do que nunca.​

A novela “Amor de Mãe” cometeu a ousadia de ir na direção oposta e apostar numa trama pesada, realista, incluindo menções à Covid-19. Mesmo gostando muito, e de estar adorando rever Lurdes —papel de Regina Casé—, preciso avisar que não está sendo uma experiência de todo boa.

O folhetim de Manuela Dias havia sido suspenso em março de 2020 após a exibição de 102 capítulos. No segundo semestre, a duras penas, a Globo conseguiu gravar 23 episódios, encurtando e concluindo a história. E na semana passada, voltou a apresentá-la.

Numa trama que já se destacava pelo realismo brutal, a pandemia se tornou um elemento central desta segunda fase. A emissora não imaginou, porém, que, em março de 2021, a situação estaria ainda muito pior do que em meados do ano passado.

A decisão corajosa, mas arriscada, de incluir a pandemia na novela acabou tendo o efeito de tornar a trama datada. Até uma retificação teve que ser incluída, nos créditos, para avisar ao espectador que pessoas que já tiveram a doença não estão livres de serem infectadas novamente, o que não era sabido quando os capítulos foram gravados.

A necessidade de condensar os mais de 50 capítulos que faltavam em 23 produziu outro efeito indesejado: a novela está pesada demais. Mortes, acidentes, tragédias: cada episódio está sendo mais exaustivo que outro.

Para ver tragédia, é melhor assistir ao telejornal, alguém dirá. Nem sempre. Já falei inúmeras vezes sobre a irresponsabilidade dos canais de TV que, alinhados com o governo federal, optam por uma cobertura apolítica e descontextualizada da pandemia.

São os mesmos que afirmam enxergar “alarmismo” nos veículos que há um ano batem o bumbo, destacando com realismo a gravidade dos problemas e o descontrole da crise sanitária no Brasil.

Há duas semanas, uma destas emissoras, a RedeTV!, exibiu uma reportagem de sete minutos e meio fazendo apologia de um antiparasitário para “tratamento precoce” da Covid-19. Nem o próprio fabricante do medicamento o recomenda para esse uso.

É desanimador. Não têm pudor de ignorar princípios básicos do jornalismo nem temem o julgamento da história.

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