Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão

TV Brasil deveria seguir Estado laico em vez de exibir novela bíblica

Emissora pública escala 'Os Dez Mandamentos' em seu horário nobre e, assim, não conquista público diverso

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Na sua primeira entrevista como presidente eleito, no final de outubro de 2018, Jair Bolsonaro prometeu “privatizar ou extinguir” a TV Brasil. “Não podemos gastar mais de R$ 1 bilhão por ano com uma empresa que tem traço de audiência. Nós preferimos confiar na mídia tradicional quando o governo quiser fazer os seus anúncios que tem que fazer”, disse à Record.

Poucas coisas nas duas frases restaram em pé. A Agência Lupa, especializada em checagem de fatos, corrigiu o dado numérico no mesmo dia. A EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que gere a TV Brasil, recebeu, em 2017, R$ 503 milhões em transferências da União, de acordo com o demonstrativo de resultado da empresa.

Dois anos e meio depois, Bolsonaro não extinguiu nem privatizou —ainda— a TV Brasil. Tampouco dá sinais de “confiar na mídia tradicional”. O presidente confia, sim, em uma parcela da mídia que é dócil com o seu governo.

Nesta semana, a TV Brasil estreou uma nova programação. A principal atração, anunciada com destaque, é a exibição da novela “Os Dez Mandamentos”, às 20h30, mesmo horário do Jornal Nacional, da Globo.

Trata-se da primeira das seis novelas bíblicas que a Record vem exibindo desde março de 2015. Projeto prioritário, e bem-sucedido, encontrou um nicho de audiência combinando entretenimento com proselitismo religioso.

Segundo a Record, a saga de Moisés já foi licenciada para 42 países, além de ter ficado disponível por um período na Netflix. Também foi reprisada na própria emissora em 2017 e 2018.

A EBC pagou R$ 3,2 milhões pelo direito de exibir os mais de 200 capítulos da novela até setembro de 2022 —cerca de R$ 13 mil por capítulo. Os dados são públicos.

Como estratégia para elevar a audiência, o negócio da TV Brasil com a Record exprime mais fé do que pragmatismo. Trata-se de uma novela já muito exibida num período recente, o que desaconselharia uma nova reprise neste momento.

Do ponto de vista dos negócios, é impossível não pensar que se trata de uma forma de apoio do governo a uma emissora que tem se mostrado uma aliada fiel.

O mais grave, na minha opinião, é quanto a exibição de uma novela bíblica entra em choque com o que se espera de uma TV pública. Assim como o Estado brasileiro é laico, a programação da TV Brasil deveria ser sempre de interesse geral, sem privilegiar os fiéis de uma ou outra religião.

A EBC, por meio de sua gerência de relações institucionais, não concorda. “A novela ‘Os Dez Mandamentos’ não faz referência à religião. Ela é baseada numa história bíblica”, diz.

E acrescenta: “A empresa reitera seu compromisso com os princípios legais norteadores da radiodifusão pública brasileira, inclusive a não discriminação religiosa, assegurando obras com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas buscando maior atenção e competividade na busca do interesse do maior número de telespectadores”.

Em setembro de 2020, três meses após assumir o comando do Ministério das Comunicações, Fabio Faria (PSD-RN) negou, em entrevista ao UOL, que o governo tivesse a intenção de privatizar a EBC.

“A EBC, diferentemente dos Correios, é deficitária. Provavelmente, se a gente abrir um processo de privatização da EBC, seria um deserto. É uma empresa que se fosse privada daria mais de R$ 500 milhões de prejuízo”, disse

Agora em março de 2021, três semanas antes da estreia de “Os Dez Mandamentos” na TV Brasil, o governo aprovou a inclusão da Eletrobras e da EBC no Plano Nacional de Desestatização.

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