Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Maratona

'Caso Evandro' oferece puro suco de problemas estruturais do Brasil

Série, inspirada em podcast, dá margem para reflexão da cobertura midiática da morte do cantor MC Kevin

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Na disputa para se tornar a principal referência na produção e distribuição de conteúdo brasileiro entre as plataformas de streaming, o Globoplay achou motivos para comemorar em maio. A série documental “Caso Evandro”, um dos seus maiores acertos recentes, transborda brasilidade em cada pixel.

O programa gira em torno do assassinato de um menino de 6 anos, Evandro Ramos Caetano, em 1992, na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná.

O caso teve enorme repercussão nacional na época pelo fato de parte da polícia ter defendido uma tese bombástica: o crime teria ocorrido num ritual de magia negra, protagonizado por um pai-de-santo com a ajuda da mulher do prefeito da cidade.

Sete pessoas foram acusadas de participação no crime e julgadas em diferentes momentos, entre 1998 e 2011. Um dos cinco julgamentos foi anulado.

Em 2018, o jornalista Ivan Mizanzuk se debruçou de forma minuciosa sobre o caso e produziu, no formato de um podcast, uma narrativa em 36 episódios. O seu trabalho expôs dezenas de camadas
até então ignoradas ou negligenciadas da história.

É o resultado do esforço de Mizanzuk que serve de base para a série documental do Globoplay. O jornalista aparece a todo momento em cena ajudando a indicar os caminhos que a narrativa percorre.

Um mesmo fato é narrado várias vezes, em função de diferentes depoimentos. A confusão de nomes e versões pode transmitir a impressão de que a série é mal editada, o que não é verdade. Na prática, como não há respostas fáceis a vários aspectos da história, o espectador é conduzido para dentro de um labirinto.

Alguns temas vão e voltam em “Caso Evandro”, formando um caldo pesado de Brasil: rivalidade entre policiais civis e militares; investigações malconduzidas e, pior, sujeitas a pressão política; espetacularização da cobertura da mídia (jornais, rádios e emissoras de TV); preconceito contra rituais de origem afro-brasileira.

A certa altura, acrescenta-se um elemento ainda mais desgraçado: indícios de que os acusados do crime confessaram sob tortura. Fitas descobertas por Mizanzuk durante a realização do podcast ajudaram a mudar a compreensão do caso.

O trabalho do jornalista serviu de base para o roteiro desenvolvido por Angelo Defanti, Arthur Warren, Ludmila Naves e Tainá Muhringer, com direção de Aly Muritiba e Michelle Chevrand.

Consciente do tesouro em mãos, e desafiando a lógica de exibição integral dos episódios, estabelecida pela Netflix, o Globoplay tem oferecidos dois capítulos de “Caso Evandro” por semana. Vi os quatro primeiros.

Nesta quinta (27) vão ao ar o quinto e sexto episódios. No dia 3 de junho será exibido o último capítulo da saga.

E uma semana depois, o serviço oferece um episódio extra, que trata do desaparecimento de outro menino, Leandro Bossi, também ocorrido em 1992, cuja investigação em alguns momentos se misturou ao caso Evandro.

Ainda que brevemente, não poderia deixar de mencionar, já que estou falando de uma série sobre um caso policial, a cobertura que a televisão está fazendo nestes últimos dez dias da morte do cantor MC Kevin.

Diante das dúvidas levantadas pela tragédia, apresentadores e repórteres vestiram a fantasia de investigadores, promoveram acareações entre testemunhas e praticamente apontaram culpados. Um vexame completo.

P.S. Saio de férias por um período mais longo, para desenvolver um projeto, e retorno com a coluna em setembro.

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