Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Questão de gosto

O sucesso de 'Round 6', a polêmica de 'Encerramento' e o lucro da Netflix

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A Netflix monopolizou todas as conversas sobre televisão nos últimos 30 dias. Primeiro, com o lançamento de "Round 6", em 17 de setembro. Depois, com a estreia de "Encerramento", em 5 de outubro. Posteriormente, com notícias sobre esses dois programas entrelaçadas de forma inesperada. E, por fim, com o anúncio do lucro e do crescimento da empresa no último trimestre.

Fui alertado sobre a série coreana, antes de tudo, por causa do seu sucesso. Ela se tornou o maior lançamento da história da Netflix. Houve o registro de 111 milhões de visualizações por ao menos dois minutos de algum episódio nos primeiros 28 dias.

Nos EUA, a reação principal a esta notícia não foi, como eu esperaria, uma gargalhada a respeito da métrica usada para atestar o sucesso. Não. Os jornalistas e analistas que acompanham esta indústria ficaram pasmos com o fato de o resultado ter sido alcançado por um programa falado em coreano e exibido com legendas ou dublado no país.

Outras séries estrangeiras da Netflix já haviam feito muito sucesso, como a espanhola "La Casa de Papel" e a britânica "The Crown", mas nada parecido com a distopia coreana, em que centenas de miseráveis endividados concordam em disputar jogos infantis e serem mortos em caso de derrota.

Tão violenta quanto óbvia, "Round 6" coroa o plano da Netflix de investimento em suas filiais ao redor do mundo na produção de histórias universais e algum tempero local. "Viajar bem" é a missão --e que a campeã tenha sido uma série com essas características diz muito sobre o estado do humor das plateias.

Já "Encerramento" é um especial de humor de Dave Chappelle, um dos maiores comediantes americanos da atualidade, um rei no formato stand-up. Engraçado, emocionante, inteligente, mas também agressivo, o programa assume, em algumas passagens, o formato de uma palestra sobre preconceitos.

O tema principal do humor de Chappelle é o racismo. O problema dele é com os brancos, ele diz claramente. Mas, inconformado de ser chamado de "transfóbico" por coisas que falou há duas décadas, o comediante se dedica a provar que não tem preconceitos. Como? Fazendo piadas sobre transgêneros. Reconheço que não é o método mais simples de provar isso, mas me deixou impactado.

Parte da comunidade LGBTQIA+ não viu graça nenhuma. Muito pelo contrário. Viu ódio e, mais grave, incitamento ao ódio. As reclamações mais barulhentas, e isso foi uma novidade, vieram de dentro da própria Netflix, uma empresa com práticas inclusivas e muitos funcionários transgênero.

Uma funcionária trans foi suspensa depois de invadir uma reunião online de diretores da Netflix. Ela já havia protestado contra "Encerramento" no Twitter e queria falar diretamente com os executivos. A punição foi revista um dia depois. Uma outra funcionária vazou para a imprensa dados sigilosos sobre custos e lucros de vários programas da empresa. Foi demitida.

Os dados mostram que os nove episódios de "Round 6" custaram, no total, US$ 21,4 milhões, menos que os US$ 24,1 milhões gastos para produzir os 72 minutos de "Encerramento". A Netflix calcula que a série coreana gerou US$ 891 milhões em "valor de impacto", uma métrica usada internamente para avaliar a importância financeira dos programas, o que inclui o potencial de atrair novos assinantes.

Negócios são negócios. Os dados do terceiro trimestre, divulgados terça-feira (19), trouxeram boas notícias para os acionistas, indicando que a Netflix segue crescendo em faturamento e número de assinantes (são agora 214 milhões). Mas a melhor notícia, na minha opinião, é a empresa ter resistido a qualquer forma de restrição a "Encerramento", compreendendo que neste negócio não é possível agradar a todos ao mesmo tempo.

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