Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mais do que 'BBB', reality show preferido do Brasil é a violência urbana na TV

Câmeras de segurança em todos os pontos da cidade rendem material diário para programas policiais sensacionalistas

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Não há mais um prédio, uma casa, um estabelecimento comercial sem câmeras de segurança. Apontadas para as ruas, para o interior das lojas, ou colocadas dentro dos elevadores, elas fornecem imagens para a polícia e, de lá, para os telejornais e programas policiais na TV.

O grande realtiy show no Brasil, hoje, não é mais o "BBB", mas essa documentação diária de cenas de assalto e violência em todos os cantos do país.

A crise econômica e, em consequência, o aumento da criminalidade ajudam, infelizmente, a alimentar essa produção de filmes de má qualidade, mas de impacto terrível. E há enorme demanda por eles na TV aberta.

Ex-apresentador do Cidade Alerta Marcelo Rezende nos estúdios da Record, na época em que ele apresentava o programa dedicado à violência urbana - Eduardo Knapp/Folhapress Folhapress

São muitos os programas policiais matinais e vespertinos, todos com horas de duração, na grade da Record, da Band e da RedeTV!. Protegidos pelo selo de "jornalísticos", podem exibir cenas de violência a qualquer horário.

Mas nem sempre há jornalistas em número suficiente para apurar o que se esconde por trás das imagens das câmeras de segurança. E eles são exibidos sem maiores explicações. Apenas para chocar e assustar: "Olha só o que aconteceu nesta loja", avisa um apresentador. "Olha como essa quadrilha age", diz outro.

Mais espantoso ainda é ver este reality show da violência urbana servir de matéria-prima para os telejornais do horário nobre. Jornal da Band, SBT Brasil e Jornal da Record estabeleceram a tradição de começar praticamente todo dia com uma notícia policial. Os dois primeiros exibem de segunda a sábado um bloco inicial de dez minutos de notícias sobre violência urbana.

É obrigatório retratar a realidade, sim. Mas esse sequenciamento de notícias policiais, recheado de cenas captadas por câmeras de segurança sem maiores explicações, raramente tem a intenção de discutir questões estruturais. Ele cumpre um objetivo mais pé no chão: segurar a audiência.

Claro que há exceções. Num dos casos mais recentes, as imagens das câmeras do quiosque na Barra da Tijuca que documentaram o assassinato do congolês Moïse Kabagambe foram essenciais para entender que estamos com um pé na barbárie. Esse crime lembrou que o jornalismo ainda tem um papel essencial e pode evitar que a violência urbana se limite a ser um reality show.

De um modo geral, a mídia conseguiu encontrar um equilíbrio entre mostrar a violência selvagem praticada contra Moïse e cuidar para que o espectador desavisado não se sentisse mal com as cenas.
Repórteres de diferentes veículos conseguiram trazer informações importantes sobre o caso, indo além da versão oficial e apontando contradições e omissões.

Já o noticiário policial desenfreado, sem contextualização, exibido em todos os horários, apenas produz medo e alarme. Em ano de eleição, favorece os que prometem soluções mágicas para o problema, tanto apresentadores quanto policiais ou militares.

A cada eleição, há mais candidatos com o epíteto de "delegado", "major", "tenente" na frente do nome. Um levantamento da Globo, logo depois das eleições de 2018, mostrou que o número de policiais e militares eleitos para o Legislativo pulou de 18 para 73 na comparação com os resultados das eleições de 2014.
Nada indica que esta tendência vai mudar em 2022.

Não há solução simples no que diz respeito à televisão. Mas creio que seja importante discutir o assunto, especialmente em relação aos canais de TV aberta, que são concessões públicas. É um tabu, plenamente justificável, porque envolve liberdade de expressão. Ainda assim, acho que deveria haver critérios para a exibição de imagens de violência.

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