A HBO terminou de exibir nesta semana a terceira temporada de "A Amiga Genial", possivelmente a melhor ficção que a televisão levou ao ar em 2022, mas a repercussão não chegou aos pés da última, ou da penúltima, ou da antepenúltima série sobre golpistas da Netflix.
A série foi batizada com o título do primeiro dos quatro volumes da "tetralogia napolitana" da escritora italiana Elena Ferrante, um best-seller internacional. Cada temporada, com oito episódios, corresponde a um dos livros (os 24 episódios estão disponíveis no HBO Max com o título em inglês, "My Brilliant Friend"). A quarta e última já foi encomendada.
"A Amiga Genial" é a reconstituição da amizade de duas amigas, segundo as lembranças e reflexões de uma delas, Elena Greco, a Lenu, que idolatra a outra, Raffaella Cerullo, a Lilla. Ambas de origem humilde, se conheceram ainda crianças em Nápoles, na década de 1950.
A série é uma coprodução da HBO com a RAI, e esta pode ser a primeira razão do baixo reconhecimento que alcançou. A TV estatal italiana não está entre as maiores joias do país, pelo contrário. Mas, justiça seja feita, surpreendeu com a altíssima qualidade do produto.
Ainda que soe um pouco pretensioso, o cineasta Saverio Costanzo não exagera quando conta que buscou inspiração no neorrealismo italiano e na nouvelle vague francesa, respectivamente, para a realização das duas primeiras temporadas.
A segunda é especialmente encantadora, do ponto de vista visual, ao descrever os diferentes rumos tomados pelas amigas, ainda adolescentes —Lilla se casa em Nápoles com o dono da charcutaria, e Lenu contraria o desejo da mãe e vai para a universidade em Pisa. Os dois episódios que elas passam na ilha de Ischia são brilhantes.
Outro problema que pode ter afetado a repercussão de "A Amiga Genial" diz respeito à língua original. Os produtores lutaram para que a série fosse falada em dialeto napolitano e italiano, e não em inglês, como costuma ocorrer em produções da HBO americana realizadas fora dos EUA.
Também pode ter atrapalhado o fato de não ter grandes estrelas nos créditos. As duas protagonistas, Margherita Mazzucco e Gaia Girasse, nunca haviam atuado antes --e são espetaculares. O elenco que compõe o círculo napolitano é extraordinário.
A terceira temporada é dirigida pelo cineasta Daniele Luchetti e mantém o apuro técnico e visual. O ambiente agora é o início da década de 1970, tempos de enfrentamento violento entre direita e esquerda, e de liberdade sexual.
Lilla trabalha sob condições degradantes numa fábrica de embutidos, em Nápoles; Lenu está casada com um professor universitário em Florença, e dá os primeiros passos na carreira literária.
O roteiro evita clichês, explora silêncios, troca de olhares, sutilezas e, também, oferece diálogos cortantes. Luchetti definiu bem o clima: "A série mantém a promessa de revelar a verdade sobre a relação entre essas duas garotas, mas esse esclarecimento nunca chega".
O tema central de "A Amiga Genial" é a sororidade e a afirmação feminina, a luta da mulher pelo direito de escolher os parceiros, manifestar desejos e definir os próprios caminhos pessoais e profissionais.
A narrativa de Elena Ferrante mostra que a resistência, o machismo estrutural, está em toda parte —dentro da própria casa e na rua, entre os aprendizes de mafiosos e os professores universitários, entre os mais humildes e os ricos.
Como disse uma jornalista americana, rara voz a se empolgar nos EUA com o programa da HBO, "A Amiga Genial" é televisão genial. Agradeço à minha sobrinha Clarissa, ávida leitora, por me introduzir ao mundo de Elena Ferrante.
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