Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão

Domingos Montagner foi galã incomodado que brilhava na TV e no teatro

Biografia aborda o dilema de atores que migram dos palcos para as telas, caso que foi vivido pelo artista, morto em 2016

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Depois de duas décadas de atuação em espetáculos circenses, como palhaço e trapezista, Domingos Montagner (1962-2016) foi descoberto tardiamente pela televisão. E ficou um pouco chocado de ter sido etiquetado como "galã maduro" ou "galã de 50 anos", mostra Oswaldo Carvalho na recém-publicada biografia do ator.

Das 350 páginas do livro, as primeiras 260 são destinadas a descrever a difícil, mas bem-sucedida construção da carreira de um ator, produtor e empresário apaixonado por circo.

O ator Domingos Montagner no Teatro Eva Herz, na avenida Paulista, em São Paulo - Greg Salibian - 3.ago.14/Folhapress

Formado em educação física, treinado no Circo Escola Picadeiro e no curso de teatro de Myriam Muniz, Montagner se tornou uma referência, ao lado do também ator Fernando Sampaio. Integrou o grupo Pia Fraus, atuou em parceria com o XPTO, criou o La Mínima, também foi um dos fundadores do Circo Zanni, entre outras atividades decisivas para a renovação do circo, em São Paulo, a partir da década de 1990.

"Em setembro de 2005, no fim de uma temporada, os sócios do circo Zanni estavam todos quebrados. Felizes, realizados, orgulhosos e cheios de dívidas", escreve Carvalho. É quando Montagner começa a cogitar a televisão como uma frente de trabalho possível.

Mais de uma geração de atores paulistanos, e de outros centros, enfrentou e debateu este dilema, ainda atual: "vender-se" para a Globo e para a publicidade ou "manter a integridade" e seguir no teatro? O autor de "Domingos Montagner - O Espetáculo Não Para" (Máquina de Livros, 352 págs., R$ 69) tem o mérito de trazer o tema para o livro, mas assume uma postura muito defensiva em relação ao seu protagonista.

A atuação em TV, mais centrada na expressão facial, é quase sempre dirigida para a câmera e exige menos recursos dos atores. O texto de novelas, de um modo geral, busca a simplicidade, mirando o maior público possível. Para muitos, tudo isso é frustrante.

Casado, com um terceiro filho a caminho, sem conseguir fechar as contas, o ator começa a fazer pontas na TV. Atua em "Mothern" (2007), "Força Tarefa" (2010) e "A Cura" (2010), e se expõe no quadro Circo do Faustão (2007).

Em março de 2009, Montagner e Sampaio se tornam os primeiros palhaços a vencer como melhores atores o prestigiado prêmio Shell de Teatro, pelo espetáculo "A Noite dos Palhaços Mudos". Mas não comparecem à cerimônia porque estavam na Bahia batalhando por uns trocados num evento corporativo.

Em novembro daquele ano, os dois atores gravam vídeos para integrar o banco de talentos da Globo. Montagner se sai muito bem e, no ano seguinte, é chamado para atuar na novela "Cordel Encantado" e na série "Divã". Como disse um produtor de elenco da emissora, por trás da maquiagem de palhaço havia um gladiador romano. "No palco você parecia uma criança e agora estou vendo o nosso Russell Crowe."

As últimas cem páginas da biografia se dedicam a mostrar o nascimento deste galã de 50 anos, um tipo muito requisitado, mas com poucos atores disponíveis. Foram sete papéis, três como protagonista, em apenas cinco anos na emissora (além dos já citados, atuou em "O Brado Retumbante", "Salve Jorge", "Joia Rara", "Sete Vidas" e "Velho Chico").

Carvalho registra, também, o incômodo de Montagner com o selo de "galã", o seu desejo de fazer papéis cômicos na TV (fez apenas um esquete no "Tá no Ar") e o constrangimento de perceber os olhos tortos dos amigos de teatro. "Ele desejava habitar os dois mundos e isso requeria jogo de cintura, algo que jamais lhe faltou", escreve o biógrafo.

O trágico afogamento no rio São Francisco, em 15 de setembro de 2016, num dos últimos dias de gravação de "Velho Chico", interrompeu precocemente a carreira de Montagner.

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