Numa versão do PowerPoint do Dallagnol, planejada para virar meme, o jornalista poderia ser posto no centro do diagrama, mas não como responsável por uma rede de malfeitos, e sim como vítima.
Os seus vilões seriam identificados com as seguintes plaquinhas: revolução digital, fake news, redes sociais, governantes autoritários, políticos inescrupulosos, empresários sem visão, assediadores de repórteres.
Apesar da tentativa engraçadinha de síntese, o gráfico não consegue explicar direito a história. A esta altura dos acontecimentos, aliás, parece cada vez mais difícil fazer entender o que aconteceu com uma profissão que já teve tanta importância e glamour. Deve haver alguma luz no final do túnel, mas está difícil de enxergar.
Ainda bem que tem gente com disposição de, ao menos, apontar claramente os problemas. Como é o caso da dupla Heidi Ewing e Rachel Grady, responsável pelo documentário "Endangered" disponível no HBO Max. O título, que pode ser traduzido como "ameaçados de extinção", é um grande acerto e resume bem o que está em jogo neste momento da história.
Quatro jornalistas, dois repórteres e dois fotógrafos, servem ao filme para descrever quatro diferentes problemas enfrentados pelos profissionais da notícia.
A brasileira Patrícia Campos Mello, que os leitores da Folha têm a sorte de conhecer muito bem, foi escalada para mostrar o que acontece quando o presidente de um país tenta desacreditar um trabalho jornalístico de peso e ofender a honra de quem o realizou. Em outubro de 2018, a repórter mostrou uma prática ilegal de apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
O britânico Oliver Laughland, do britânico The Guardian, documenta os efeitos do fechamento de jornais em pequenas cidades americanas durante a campanha presidencial de 2020, registra a desconfiança que apoiadores de Trump têm da mídia tradicional e mostra como a desinformação se alastra nestes ambientes.
O americano Carl Juste, profissional veterano do The Miami Herald, fotografa os protestos pela morte de George Floyd na região onde atua. Ao ver o seu jornal adotando medidas de enxugamento e redução de despesas, ele se dá conta que, talvez, esteja chegando a hora de se aposentar ou dar um novo rumo à carreira.
Por fim, acompanhamos a saga da mexicana Sáshenka Gutiérrez, que presta serviços para uma agência de notícias, fotografando diferentes protestos contra a forma como o governo (não) está enfrentando os violentos crimes contra mulheres no México. A certa altura, Gutiérrez conta que reconheceu um policial que a agrediu numa manifestação, mas não teve coragem de apontá-lo para as autoridades.
O seu medo se explica. Dados da organização Comitê de Proteção a Jornalistas lembram que mais de cem jornalistas foram assassinados no México desde 2000. O Brasil, como mostrou o documentário "Boca Fechada", de Aquiles Lopes e Marcelo Lordello, fica em segundo lugar nesta triste estatística, na América Latina.
Outro dado oferecido por "Endangered": durante os protestos contra a morte de George Floyd, houve mais de 500 ataques a jornalistas e 140 foram detidos. Mais um: 25% dos jornais nos Estados Unidos fecharam desde 2004, fazendo com que 65 milhões de americanos vivam em cidades com apenas um ou nenhum jornal.
Resumindo a história, em 90 minutos, o documentário de Heidi Ewing e Rachel Grady pode soar superficial, mas cumpre a função de lançar um grito de alerta, mais um, sobre uma situação desesperadora.
Uma série sobre o tema, desenvolvendo melhor cada história, talvez pudesse discutir soluções originais, que ainda não estão à vista, para enfrentar os problemas que ameaçam a profissão de jornalista.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.