Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Debates na TV exercitam a democracia no Brasil de Lula contra Bolsonaro

Mesmo que engessados por excesso de regras, programas são símbolo da convivência entre lados diferentes

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A história dos debates eleitorais na TV brasileira, a partir da década de 1980, é feita de altos e baixos, como a nossa democracia, de certa forma.

Os primeiros debates no período da redemocratização ocorreram ainda sob a lembrança do célebre duelo entre Kennedy e Nixon, travado antes da disputa presidencial americana de 1960. Pesquisas indicaram que a série pioneira de quatro embates entre os dois candidatos influenciou o voto de parcela considerável dos eleitores.

O ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro - Antonio Molina e Pedro Ladeira/Folhapress

Pelo menos dois debates no Brasil são até hoje citados como responsáveis, parcialmente, pelos resultados de duas eleições.

Sempre se atribuiu uma parcela de responsabilidade na derrota de Fernando Henrique Cardoso para Jânio Quadros na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 1985, a um incidente ocorrido no último debate. Boris Casoy perguntou a FHC se ele acreditava em Deus, e o candidato respondeu: "Essa pergunta o senhor disse que não me faria".

O último debate no segundo turno da eleição presidencial de 1989 é igualmente tratado como um evento decisivo. Foi exibido em conjunto (num "pool") por Globo, Band, Manchete e SBT, em quatro blocos, com exposição igual de jornalistas das quatro emissoras.

O duelo entre Collor e Lula acabou sendo lembrado menos pelo desempenho dos candidatos do que pela forma como o Jornal Nacional editou um resumo no dia seguinte. O principal telejornal do país deu mais tempo a Collor do que a Lula e destacou mais momentos positivos do primeiro.

Se, de fato, os debates influíram nos resultados das eleições vencidas por Jânio e Collor, confirma-se uma ideia defendida pelo jornalista Otavio Frias Filho (1957-2018), diretor de Redação da Folha por 34 anos: "Debates eleitorais se baseiam numa fantasia da razão: a de que governa melhor quem discute melhor".

Ainda em 1989, quando Collor se recusou a participar dos encontros no primeiro turno, teve início um processo de relativização da importância dos debates. FHC e Lula, em suas vitoriosas campanhas à reeleição, em 1998 e 2006, também não foram aos debates no primeiro turno. O tucano liquidou a fatura já na primeira rodada; o petista foi a debates no segundo turno.

A aversão ao potencial risco dos duelos na TV também levou candidatos e partidos a incluírem, ao longo dos anos, uma série de regras que engessam os encontros e diminuem as chances de prejuízo à imagem dos participantes. Os debates se tornaram supercontrolados e tediosos.

Nem mesmo a eventual performance teatral ou histriônica de algum participante, que dá caráter de entretenimento ao evento, tem evitado a fuga da audiência. Momentos como o inesquecível bate-boca entre Brizola e Maluf em 1989 ou os devaneios de cabo Daciolo em 2018 são cada vez mais raros.

Por isso, e também pela importância crescente das redes sociais, os debates eleitorais chegaram desprestigiados a 2022. Já há alguns meses, Lula e Bolsonaro, os dois principais candidatos, manifestaram pouco entusiasmo em participar de quase uma dezena de encontros programados para o primeiro turno. A boa ideia, sugerida pela candidatura petista, de realização de "pools" foi aceita e já simplificou a agenda de eventos.

Num momento como o atual, de abertas ameaças à democracia, os debates voltam a ganhar enorme importância. Não para influenciar o resultado das eleições, mas pelo que representam. Mesmo que engessados por excesso de regras, eles se tornam um símbolo da convivência entre lados e ideias diferentes. Um exercício democrático, enfim.

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