Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Os (muitos) desafios do novo prefeito de São Paulo

Na pandemia, quem inovou foram cidades como Bogotá, Madrid, Nova York e Paris; pouca coisa surgiu daqui

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O novo prefeito Ricardo Nunes vai ter muito trabalho pela frente. Ao assumir a prefeitura na circunstância trágica da morte prematura de Bruno Covas, ele vai ter que interagir com equipes que não escolheu e se familiarizar rapidamente com a miríade de assuntos que uma cidade como São Paulo naturalmente gera.

A questão é que, cinco meses após a posse, o momento já estava a exigir mais da prefeitura. As primeiras declarações do novo prefeito são sensatas e demonstram uma intenção de assegurar que a cidade continue funcionando dentro dos planos atuais. Isso é importante, claro, mas não parece ser suficiente para lidar com um dos maiores efeitos da pandemia, que é a ameaça à própria vida urbana. A volta gradual vai exigir uma liderança que nos prepare para uma verdadeira retomada da urbanidade ameaçada e que olhe para vários aspectos da cidade.

Olhar para dentro

A chocante desigualdade entre as regiões centrais e as periferias se materializou na pandemia: entre os que entregam e os que consomem mercadorias, entre os que pegam ônibus cheios para ir ao trabalho e os que fazem home office, entre os que podem fazer isolamento e os que não podem.

O combate à desigualdade depende de moradia, transporte, educação, e também da requalificação dos espaços públicos nos bairros periféricos. Mas como pensar na retomada da vida urbana, no desenvolvimento das centralidades mais pobres, sem promover uma radical descentralização? Vai ser preciso criar planos regionais para garantir que os parâmetros do Plano Diretor não passem por cima de particularidades locais. E, claro, não dá para viver sem uma boa zeladoria, daí a importância da descentralização administrativa, ao contrário do que vem acontecendo nos últimos anos, em que as subprefeituras têm perdido recursos humanos e orçamentários.

Olhar para fora

Grande parte de nossos problemas não diz respeito só à cidade: nossos rios, nosso ar, nossos trens, tudo é compartilhado com os outros 39 municípios da região metropolitana e São Paulo precisa ampliar sua liderança no enfrentamento dessas questões, principalmente na agenda ambiental. Vale lembrar que a cidade faz parte do C-40, um grupo de cidades no mundo que discutem sustentabilidade, e poderíamos estar testando soluções mais inovadoras já implantadas pelo mundo afora.

Olhar para trás

São Paulo é o que é porque soube acolher imigrantes e migrantes, conviver com a diversidade, usar o capital gerado pelo café para criar a indústria que mudou o país e depois reinventar os serviços e a chamada economia criativa. Não é razoável aceitar que esse protagonismo seja diminuído. Na pandemia, quem inovou e criou soluções novas foram cidades como Bogotá, Madrid, Nova York e Paris, mas pouca coisa surgiu daqui ou foi implantada aqui.

Olhar para trás também significa se inspirar nas boas realizações em várias gestões anteriores, mesmo de partidos diferentes, como o Bilhete Único, a abertura da Paulista aos domingos, a lei Cidade Limpa, o parque do Canivete, as ciclovias, a reurbanização de favelas, os CEU´s e a Virada Cultural.

Olhar para frente

Qual é a visão de cidade que estamos buscando? A pergunta parece teórica, mas é prática: ao sair da pandemia, teremos que recolher os cacos de uma cidade que, mesmo com muitos problemas, ainda mantinha uma energia vital, de pessoas que empreendem, produzem, abrem bares, botecos, restaurantes, lojas, escolas e galerias, trocam ideias, criam filhos e enchem as ruas na Marcha por Jesus, no Carnaval, na Parada Gay ou na Virada Cultural.

Vai ser preciso colar e organizar esses pedaços e recuperar a energia que se dispersou durante a pandemia. Hoje, os que têm condições, pensam em morar fora. Os que não têm, conformam-se em seguir a vida. Isso é pouco para uma cidade como a nossa. Precisamos tomar a rua de volta, investir em espaços públicos e calçadas, para vivermos numa cidade em que as pessoas não tenham medo de sair de casa e em que uma criança possa ir andando em segurança até sua escola.

A revisão do Plano Diretor, prevista para este ano, é uma oportunidade de reforçar essa visão, mas tão importante quanto ela é botar boas ideias em prática rapidamente. Há dinheiro nas operações urbanas e no Fundurb que pode ser usado para atrair mais gente para morar no centro e estimular a qualidade urbana e a atividade econômica dos ‘subcentros’ de bairros mais afastados.

O urbanista americano Richard Florida demonstra que as cidades mais vibrantes e economicamente mais bem sucedidas são as que conseguem reúnem os 3 ts –talento, tolerância e tecnologia. São Paulo tem tudo isso, e agora, cabe juntar poder público e iniciativa privada para garantir que esses ativos não se percam ou mudem para outro lugar.

É uma pauta gigantesca para qualquer um, e especialmente pesada para quem está chegando agora, mas não dá para reduzir expectativas. Lidar com a complexidade é parte natural da função de quem está à frente de uma das maiores cidades do mundo.

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