Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Descrição de chapéu Mobilidade

A cidade de 15 minutos e a chance das pessoas viverem a 'essência da experiência urbana'

'Big bang de proximidade' de Paris pode ser inspiração para nosso 'big bang de urbanidade'

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Durante a pandemia, muitas cidades procuraram aumentar a área para as bicicletas e o pé. Paris foi além, ao estabelecer um objetivo que ganhou um nome-slogan: a cidade de 15 minutos. A inspiração é do pesquisador franco-colombiano Carlos Moreno, com ecos da Unidade de Vizinhança, um conceito desenvolvido no início do século 20.

A proposta da cidade de 15 minutos é garantir que as pessoas possam viver a “essência da experiência urbana”: andar de casa até o trabalho, comer, se divertir e estudar, tudo a 15 minutos a pé ou de bicicleta. Moreno diz que nós nos adaptamos ao inadaptável e moramos em cidades que foram se voltando cada vez mais para os carros. Por que ruas são tão poluídas? Por que não podem ser mais arborizadas? Por que crianças não podem andar até a escola?

Projeção de como deve ficar a avenida Champ-Elysées, em Paris, após uma reforma milionária
Projeção de como deve ficar a avenida Champs-Élysées, em Paris, após uma reforma milionária - Divulgação

Na base de tudo, uma valorização do conceito de vizinhança, que a prefeita de Paris Anne Hidalgo chama de “Big Bang de proximidade”: descentralização de serviços e de escolas, mais ruas abertas para pedestres, mais bikes disponíveis, reforço do comércio local, centros culturais, cinemas e teatros ao alcance de todos, do centro à periferia.

O conceito se espalhou pelo mundo e já faz parte das conversas sobre o futuro das grandes cidades. Em São Paulo, já começou o processo de rediscussão do Plano Diretor e é inevitável pensar nisso.

Há vozes críticas. O urbanista Alain Bertauld, da Universidade de Nova York, especula que isso não vá alterar a dinâmica de Paris. Ele calcula que, se uma pessoa anda 1,25 km em 15 minutos, ela pode atingir em tese um círculo de quase 300 hectares de área. Em Paris, isso corresponde a quase 77 mil habitantes, o suficiente para gerar demanda para quase qualquer tipo de comércio ou serviço. Se há regiões que não têm serviços suficientes, lógico que cabem incentivos, mas governos não criam negócios, apenas induzem sua implantação. Quanto a escolas e postos de saúde, o governo já faz ou deveria fazer, esse cálculo sistematicamente, realocando equipamentos de acordo com a demografia. Finalmente, os empregos não estão distribuídos homogeneamente na cidade e muitas vezes as pessoas preferem se deslocar em busca de um emprego que exige qualificação.

O economista Edward Glaser, autor de "O Triunfo da Cidade", também critica o risco de recriar enclaves territoriais numa região metropolitana. A energia da cidade, diz ele, é justamente o que faz pessoas preferirem morar num bairro e ir trabalhar em outro ou pegar um metrô para assistir a um show no centro.

Sessenta anos atrás, Jane Jacobs, ela mesma uma ferrenha defensora da escala local, também alertava que um bairro não é uma cidade pequena. A vantagem de morar nas cidades é “o ser humano poder encontrar gente que tem os mesmos interesses que ele, mesmo que não morem perto”.

Bem, diante do que parece uma discussão um tanto acadêmica de países desenvolvidos, vejamos o que pode ser aplicado aqui no país das desigualdades. Se cidades como Paris já têm densidade, boas calçadas, uma escola e uma boulangerie em cada bairro, nós ainda estamos muito longe disso.

São Paulo precisa mesmo é de um “Big Bang de urbanidade”, começando obrigatoriamente pelas periferias. Qualificar, reformar, civilizar, descentralizar. Aumentar a utilização das instalações que já existem, como os CEUs, por exemplo, que já liberam o uso das piscinas, quadras e teatro para a vizinhança. Aumentar a proximidade de serviços públicos. Incentivar as tais “novas centralidades”, com farmácias, comércio local e serviços nas regiões mais carentes, que estão no Plano Diretor mas que na prática não existem. E, claro, melhorar o básico: a segurança e a infraestrutura (iluminação, calçadas, árvores, bancos, faixas de pedestre, diminuição das velocidades dos carros, ciclovias, bicicletários nas estações) para quem anda a pé ou bicicleta.

Aqui fica evidente uma diferença entre a situação de São Paulo e outras grandes cidades. Não é que não conseguimos ter uma vida a quinze minutos de casa. Não conseguimos nem chegar ao transporte público em quinze minutos.

Um estudo chamado People Near Transit, do WRI, mostra que apenas 25% dos paulistanos moram a menos de 500 metros de um ponto de ônibus ou 1 km de uma estação de trem ou metrô. No Rio ou na Cidade do México, são quase 50%. Em Paris, esse número é próximo de 100%.

Portanto, além de reforçar os laços de vizinhança nos bairros, também precisamos urgentemente facilitar o acesso ao transporte público, a iluminação nos pontos, instalar bicicletários em todas as estações (lembrando que vários ficaram fechados durante a pandemia) e rever a rota dos ônibus.

Os problemas de São Paulo exigem soluções complexas. Assim, em vez de buscar um slogan, devemos adotar obstinadamente dois princípios: permitir que a vida nos bairros floresça e que os deslocamentos até o transporte público possam ser feitos em menos tempo e com mais dignidade –um autêntico ”Big Bang de Urbanidade”.

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