Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Parque Augusta faz pensar sobre verde, ativismo, financiamentos e prioridades em SP

Local inspira debates e reflexões sobre a complexidade de fazer qualquer coisa na cidade

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Estive no parque Augusta no dia da sua inauguração, em 6 de novembro. É impressionante como lotam imediatamente os bons lugares novos em São Paulo. Havia jovens, velhos, crianças, cachorros e toalhas de piquenique. Foram mais de 40 mil pessoas no fim de semana do feriado. De onde surgiram? O que faziam na semana anterior à inauguração? Estavam em casa vendo TV? Em outros parques, na Paulista?

O fato é que o novo parque Augusta ficou mesmo lindo, com arquibancada de frente para um gramadão, bancos, cachorródromo, parquinho, e uma pequena mata agradabilíssima, num bom contraste com o cinza dos prédios em volta.

A inauguração do parque mistura várias histórias e tem inspirado debates e reflexões sobre a complexidade de fazer qualquer coisa em São Paulo.

Pessoas frequentam o parque Augusta em seu dia de inauguração - Adriano Vizoni - 6.nov.2021/Folhapress

Para começar, o parque foi construído num terreno que era privado até 2019. Não é tão incomum para São Paulo adquirir áreas privadas para parques. O Trianon foi comprado em 1911. O parque da Aclimação era uma área privada e foi comprado pela cidade, em 1939. O parque do Jockey surgiu da desapropriação de uma área do Jockey Clube por falta de pagamento do IPTU. O parque Burle Marx foi doado à cidade e é mantido pela Fundação Aron Birmann.

No parque Augusta, em determinado momento da negociação, surgiu a proposta de se manter o projeto das torres residenciais e uma parte aberta ao público. O movimento pró-parque bateu o pé. Ou se fazia um parque na área total ou nada. Talvez, num terreno de apenas 24 mil m2, não houvesse mesmo espaço suficiente para mais que uma praça, mas teria saído de graça.

Não existe um número exato do custo do parque. Para comprar o terreno, a Prefeitura usou um instrumento chamado Transferência de Potencial Construtivo que dá o direito das construtoras Setin e Cyrella de construir até 3.000 m2 acima do limite básico em outro lugar. O valor do benefício pode chegar a mais de R$ 100 milhões, descontando R$ 11 milhões para a construção do parque e do bulevar.

Não foi um desembolso para a cidade, mas representa uma perda de receita futura. Para todos os efeitos, o parque foi sim pago com recursos públicos e, portanto, joga luz sobre o modo como a cidade toma suas decisões.

São Paulo tem 107 parques municipais e precisa de mais. À Prefeitura, cabe decidir as prioridades, mas o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Planpavel), previsto no Plano Diretor, só fica pronto no ano que vem. Nas áreas mais carentes, onde faltam áreas de lazer, falta também habitação e saneamento, que demandam muito mais recursos em infraestrutura.

Por isso é tão importante garantir que alguns projetos saiam do papel logo, com verbas intersecretariais (a secretaria do Verde tem orçamento pequenininha). Esses locais precisam de áreas permeáveis para proteger seus mananciais (como no parque Linear Cocaia, no Grajaú), suas nascentes (como nos parques Aricanduva e Itaquera) e prevenir inundações (como no parque Linear Perus).

É impressionante a diferença que um parque pode fazer nessas regiões. Eu visitei um tempo atrás o parque Linear do Canivete. Mesmo sem conseguir despoluir o córrego, é um oásis no Jardim Damasceno, no noroeste da cidade.

Nas regiões menos carentes, é possível que vários pequenos locais possam virar praças –e não necessariamente parques– agradáveis com menos recursos, usando uma mistura de dinheiro público, emendas parlamentares, contribuição de entes privados e de associações de moradores.

No centro da cidade, dá para pensar numa rede de espaços públicos que integre lugares já existentes. Quem sabe um dia possamos ver conexões arborizadas, iluminadas e seguras entre a Roosevelt, a praça Dom José Gaspar, a República e o novo Anhangabaú?

Para terminar, uma palavra sobre o ativismo pela cidade. O pessoal do parque Augusta descobriu um lugar incrível no centro da cidade, se organizou, encontrou caminhos, emplacou a ideia no Plano Diretor e fez pressão durante 20 anos.

Conversaram com a Câmara, o Ministério Público, prefeitos de ideologias opostas e ainda descobriram idiossincrasias da legislação, como uma lei da época de Jânio Quadros proibindo construções acima de um certo limite no local.

Uma das idealizadoras, a advogada Celia Marcondes disse que a partir de um certo momento "ficou impossível para a municipalidade não fazer o parque". Coerentemente, os mesmos que pressionaram estão participando do Conselho Gestor do Parque Augusta, que já fez 18 reuniões desde 2020 e ajuda o gestor do parque no dia a dia. É um trabalho de respeito.

No vácuo de processos decisórios institucionais de São Paulo, haverá cada vez mais grupos buscando espaço para suas demandas. É legítimo e desejável. Ao poder público, porém, cabe criar instâncias para dar conta de sua complexidade. E a nós, cabe aproveitar aquilo que a cidade tem de melhor, o encontro nos bons espaços públicos que surgem onde menos se espera.

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