Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Descrição de chapéu tecnologia

Cidades inteligentes

São José dos Campos se torna a primeira cidade brasileira a ser certificada como Cidade Inteligente. O que isso muda para quem mora lá?

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O conceito de Smart Cities, na moda a partir do final de 1990, foi se desgastando após muitas cidades terem gasto dinheiro sem retorno numa miríade de plataformas de tecnologia que, pontuais e táticas, não fizeram diferença na vida de ninguém.

Foi aí que ganhou importância o pilar da qualidade de vida. Só faz sentido buscar soluções tecnológicas se elas se reverterem em melhoria da qualidade de vida para a população, como já acontece com Barcelona, Copenhague ou Cingapura.

No Brasil, o Ministério da Ciência lançou a "Carta brasileira para as cidades inteligentes" em 2020, que indica isso claramente: cidades inteligentes constroem respostas para os problemas locais com interesse público acima de tudo. Em 2022, a ABNT começou a emitir um certificado para as cidades que cumprirem as exigências de resiliência, inteligência e sustentabilidade. A primeira cidade a se certificar foi São José dos Campos.

São José dos Campos, a 110 km  da capital paulista, é a primeira cidade inteligente do país
São José dos Campos, a 110 km da capital paulista, é a primeira cidade inteligente do país - Claudio Vieira/PMSJC

Fui visitar a cidade na semana passada para conhecer os vários projetos nas frentes de inovação, principalmente em mobilidade. Para manter o certificado e ser considerada uma cidade inteligente, sustentável e resiliente, a cidade precisa atender a 276 indicadores precisos. O secretário de Inovação e Desenvolvimento Econômico, Alberto Marques, diz que o certificado nunca foi a meta, mas a consequência de um processo de melhoria e inovação dos processos urbanos.

A tecnologia em São José dos Campos não surge do nada. A cidade, que é sede do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e da Embraer, lançou há mais de 18 anos um gigantesco parque tecnológico, nos moldes dos bem-sucedidos distritos de tecnologia de Curitiba e Recife. É uma junção de empresas, universidades e órgãos governamentais numa enorme construção de um milhão de metros quadrados, que fica na beira da Dutra, a uns 10 km do centro da cidade.

Ali mesmo fica o Centro de Segurança e Inteligência. É uma sala enorme, com dezenas de monitores de TV, que são acompanhados pelas equipes de segurança e de transportes. As mais de mil câmeras existentes na cidade permitem identificar rapidamente carros que cometem infrações. Em casos de crimes, como um carro roubado, a polícia é acionada na hora. Há até reconhecimento facial dos motoristas.

A tecnologia também pode ajudar no transporte público. Quando algum ônibus atrasa ou adianta, um monitor mostra uma bandeirinha vermelha e o responsável pode entrar em contato imediatamente com a concessionária e cobrar providências. O monitoramento também vem do céu. Ali mesmo, fica uma empresa que monitora a cidade através de um satélite, a Visiona. Com alguns cliques, dá para ver na hora uma construção irregular ou crimes ambientais. Na visita, consegui ver com impressionante nitidez a imagem do corte irregular de árvores que não deviam ocupar mais do que 20 metros quadrados.

Na gestão de serviços, há um aplicativo para tudo. Do agendamento de uma consulta à verificação da disponibilidade de um medicamento no posto de saúde; da zona azul ao "poupatempo rural"; do bilhete de ônibus à abertura de uma nova empresa em 24 horas, parece que o futuro mora mesmo no celular.

A energia elétrica está na pauta de todas as cidades, mas São José parece estar andando mais rápido: a previsão é que 100% da frota de 400 ônibus atuais sejam trocados por veículos elétricos já a partir do ano que vem. Só para efeito de comparação, em São Paulo, essa meta é de atingir 20% da frota de ônibus elétricos (hoje são menos de 2%) até 2024.

Tive a oportunidade de andar num desses ônibus, em fase de teste. Ele é muito confortável, mas o que chama a atenção é o silêncio, um alívio para os ouvidos de passageiros, motoristas e, principalmente, de quem vive no entorno. A nova Linha Verde vai circular ao longo de 20 km junto das torres de transmissão de energia elétrica, com pequenas estações de embarque, num projeto que emula a experiência bem-sucedida de Curitiba, de décadas atrás.

Certamente, não é possível avaliar todos os aspectos envolvidos numa coisa tão ampla quanto a gestão municipal. Haverá críticas que devem ser analisadas com mais calma, como a possibilidade de exclusão de certa parcela da população sem acesso direto à tecnologia ou a questão da privacidade dos dados.

Assisti a um teste onde as câmeras identificam imagens de pessoas que estão nas ruas e se encaixam num determinado perfil, como "homens de camisa amarela numa bicicleta". Como garantir que a mesma câmera que identifique um criminoso não coloque em risco a privacidade de qualquer um que esteja andando numa calçada?

Também sinto que há muito por fazer no envolvimento da sociedade, usando a tecnologia para estimular a participação, colher sugestões, facilitar o funcionamento de conselhos e até organizar plebiscitos para temas mais polêmicos.

Por tudo o que vi em São José dos Campos, as experiências parecem ser capazes de trazer melhorias reais. Vale a pena acompanhar os próximos capítulos dessa saga das cidades inteligentes, que vão, certamente, influenciar outras cidades a testarem novas soluções.

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