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Maria Cristina Frias, jornalista, edita a coluna Mercado Aberto, sobre macroeconomia, negócios e vida empresarial.

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A realidade do Brasil é uma, a do setor privado é outra, diz Luis Moreno

Para presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Brasil 'nunca chega a extremos'

Maria Cristina Frias
São Paulo

"A realidade do Brasil é uma, e a do setor privado é outra", disse Luis Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre as dificuldades que o país enfrenta. "O Brasil é o único país da América Latina que tem esse tamanho, essa escala e tantos empreendedores tecnológicos. O setor privado está animado, sabe das dificuldades do Brasil e o que tem de mudar."

Moreno conversou com a coluna na quarta-feira (30), quando a paralisação dos caminhoneiros ainda não havia se encerrado.

"Essa greve é terrível. Mas o Brasil nunca chega a extremos", afirmou ao comentar sobre rumos que o movimento poderia tomar. "Por que as pessoas não estão nas ruas? Porque a inflação está baixa, mesmo o desemprego está caindo um pouco, e há muitos empreendedores", responde.

Pelo BID, Moreno conheceu vários presidentes brasileiros. Prefere não comentar especificamente sobre nenhum.

"Mas, diria que quando pensamos que estava tudo bem, não estava tão bem, e quando pensamos que está ruim, não está tão ruim", afirmou bem-humorado.

 

Investimento

Caiu nos anos de recessão porque, em razão da responsabilidade fiscal, os estados não tinham as contrapartidas para tomar empréstimos do BID. Nossa carteira é de US$ 12 bilhões (cerca de R$ 45,1 bilhões) no setor público e de US$ 1.3 bilhão no privado, que cresce muito rapidamente.

Esse valor é o maior do BID na América Latina, e sempre foi.

Fiquei impressionado, vocês têm um ecossistema de inovação de porte mundial. E ao mesmo tempo, têm uma Embraer. Mas ainda resta o desafio de melhorar a qualidade da educação.

Tendências na região

Vemos um regresso ao centro: Argentina, Chile, Peru, Costa Rica. Na Colômbia, [onde falta o segundo turno das eleições] deve caminhar nessa direção. No Brasil e no México está difícil antecipar o resultado. Mas as instituições brasileiras demonstram que se pode ter qualquer tipo de governo, que a institucionalidade tem o controle político.

Foi uma evolução importante também para a economia: autonomia do Banco Central e regras fiscais que vocês têm.

Corrupção

O problema número um na América Latina é segurança, o número dois é corrupção, segundo o Latinobarómetro, que pesquisa em 18 países.

A grande corrupção vem do financiamento político. O escândalo da Odebrecht mostrou a fragilidade dos nossos países. Será a grande questão ainda nos próximos dez anos na região.

Nafta e TPP

A Parceria Transpacífica (TPP), como se sabe, foi assinada em março no Chile, com todos os países, menos os Estados Unidos. Nafta tem dificuldade de negociação e o calendário político não ajuda: eleições no México em julho, em novembro no Congresso americano, e em províncias do Canadá.

É uma oportunidade para acelerarmos a integração, a conversa da Aliança do Pacífico com o Mercosul. Há mais de 30 acordos na América Latina, com normas diferentes, o que não beneficia o comércio.

Greve de caminhoneiros

Não há dúvida de que terá um impacto imenso na economia. O trimestre será afetado. Também na Colômbia há dois anos, caminhões pararam o país. Eles têm tanto poder porque não desenvolvemos um sistema multimodal, usando rios e ferrovias.

Se tiver, os custos baixam e a capacidade de chantagem diminui. Daqui a alguns anos, difícil que isso venha a ocorrer. Um grande número de caminhões não terá motorista.

Investidor estrangeiro

O Brasil é o que recebe mais investimento na região. O investidor de longo prazo vê a sexta economia do mundo fazendo reformas, um mercado de consumo gigantesco.

Uma empresa global não tem alternativa, tem de estar no Brasil. O combate à corrupção é muito admirado. Leva à Justiça, não importa quem.

 

A insensibilidade de Parente

Se o governo falhou em não detectar a tempo a crise que se avizinhava com a insatisfação dos caminhoneiros, o agora ex-presidente da Petrobras Pedro Parente também errou, avaliam executivos do mercado financeiro, que não quiseram ser identificados. 

Embora ressaltem os méritos da gestão de Pedro Parente na Petrobras, alguns deles classificam os reajustes diários dos combustíveis como excessivos, a exemplo do economista Eduardo Giannetti. 

Em entrevista à Folha, ele afirmou que não faz sentido transmitir ao consumidor as variações do preço mundial de petróleo e do câmbio no país, quando até o Banco Central intervém no mercado para atenuar a volatilidade. 

Mesmo bancando os sucessivos aumentos —o diesel subiu 59% desde julho—, caberia a Parente ter alertado o governo de que a nova política de preços da companhia geraria problemas na categoria, e para todo o país, na opinião de dois gestores experientes.

Ministro-chefe da Casa Civil no governo de Fernando Henrique Cardoso, Parente se notabilizou ao enfrentar a crise do apagão. Não é, portanto, um presidente de empresa sem experiência política.

 

Acabar com jeitinho

A Dínamo, associação que reúne oito entidades ligadas a startups, redigiu uma proposta de marco regulatório para o setor. A ideia é levar o projeto a candidatos ao Executivo e ao Legislativo, diz o diretor-presidente, Rodrigo Afonso.

O texto já deveria ter sido apresentado no Congresso, mas a greve dos caminhoneiros esvaziou a comissão e a associação decidiu adiar.

Uma das alterações na legislação prevê a criação de um novo tipo de pessoa jurídica, uma sociedade anônima simples. O objetivo é isolar investidores de riscos que não deveriam ser deles, no entendimento dos autores.

“Quem faz aportes em várias startups não deveria ser passível de responder por eventuais dívidas trabalhistas, que são de responsabilidade de executivos. Isso afasta investimentos no setor.”

A questão é resolvida hoje com jeitinho, uma debênture conversível em ações, diz, mas é preciso que haja regra específica para fundos ou investidores pessoa física.

 

Trem de fora

O setor ferroviário pressiona o Congresso a rever a reoneração da folha do segmento, uma das 28 aprovadas pelos parlamentares na última terça-feira (29).

“Os transportes rodoviário e aeroviário tiveram a desoneração mantida, mas não o ferroviário. Não faz sentido em um país tão dependente de rodovias”, diz Fernando Paes, diretor-executivo da ANTF (associação do setor).

“O impacto na arrecadação será mínimo, de R$ 13,2 milhões neste ano, se a medida for adotada a partir de setembro, e de R$ 30 milhões em 2019. Falta uma política estruturada para incentivar a diversificação dos modais.”

Cerca de 15% do transporte de cargas no Brasil é feito por trem. O país tem onze concessões ferroviárias administradas por seis empresas, que empregam 40 mil pessoas.

 

com Felipe Gutierrez, Igor Utsumi e Ivan Martínez-Vargas

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