Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Vou aprender a ler, para ensinar meus camaradas

Atraso educacional faz com que parcela da população tenha dificuldade de interpretar a dimensão da incompetência dos seus governantes

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A dificuldade para realizar boas escolhas faz parte do cotidiano da sociedade brasileira. Na política, é notória a incapacidade de muitos governantes de realizar gestões eficientes. Costumeiramente, além de terem problemas com a ética, políticos tendem a apresentar inabilidade com decisões administrativas.

Por sua vez, a carência de bons governantes não é um fenômeno recente do Brasil, mas representa um padrão que transpassa toda a sua história. Em parte, isso decorre do fato de o nascimento e o desenvolvimento da nação terem ocorrido com significativo descaso com a educação. E isso afeta a vida dos brasileiros em várias dimensões.

A questão da educação no Brasil é mais profunda e complexa do que muitos demagogos costumam pregar. Estamos falando de um país em que proporção considerável da população ainda é analfabeta. Em 2019, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a taxa de analfabetismo era de 6,6%.

Além disso, deve-se pontuar que uma determinada pessoa pode até saber ler e escrever algo relativamente simples, porém, ao mesmo tempo, não possuir competências suficientes para interpretar textos e realizar operações triviais de matemáticas aplicadas ao seu cotidiano.

Tal fato é denominado de analfabetismo funcional e representa uma forma complementar de inferir o quanto um indivíduo é capaz de participar ativamente da sua comunidade e, consequentemente, contribuir de maneira mais eficaz para o funcionamento da sociedade.

De acordo com o Inaf (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), 35% dos que se declararam pretos eram considerados analfabetos funcionais. No caso dos brancos e pardos, esse índice foi 23% e 30%, respectivamente (Inaf Brasil 2018).

Comparar a situação educacional brasileira com outros países também ajuda a ilustrar o tamanho do nosso atraso. Em 2018, no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), entre 79 países, o Brasil ficou em 57º lugar em leitura e em 70º em matemática. Além disso, o estudo revelou que somente 0,2% dos alunos atingiram nível máximo de proficiência em leitura.

Em tal cenário, as escolhas erradas do passado, sendo o descaso com a educação uma delas, ainda assombram o presente, criando uma conexão com a vida social contemporânea de tal modo que más escolhas acabam fazendo parte do dia a dia do brasileiro.

Em certa medida, o atraso educacional faz com que, recorrentemente, parcela da população tenha dificuldade de interpretar a dimensão da incompetência dos seus governantes. Ao mesmo tempo, a opinião pública pode ser facilmente manipulada. Isso faz com seja cômodo para alguns grupos usar a máquina pública para perseguir seus interesses individuais.

Para além da questão política, em um país marcado pela exclusão e baixa mobilidade social, a educação tem o potencial de aumentar a chance de o pobre prosperar e ascender socialmente.

Isso ocorre porque, dada a ausência de herança, capital e influência familiar, uma educação de má qualidade condena os desfavorecidos a permanecer na mesma condição de vulnerabilidade social dos seus pais.

De tal modo, o status socioeconômico da família acaba sendo refletido nas futuras gerações e, assim, constitui um mecanismo adicional que fortalece o que se convencionou chamar de armadilha da pobreza.

Em vários aspectos, o Brasil do futuro acaba sendo apenas uma projeção do passado. Existe uma inércia na reprodução da estrutura socioeconômica e política que precisa ser quebrada para avançarmos em direção a uma sociedade mais justa e próspera.

E, nesse processo, é preciso tomar cuidado para não perdemos tempo com lutas não essenciais. Talvez a grande batalha seja, e talvez sempre será, contra a ignorância.

O título é uma homenagem à música “Yá Yá Massemba”, de José Capinam e Roberto Mendes.

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