Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Descrição de chapéu machismo mercado de trabalho

Pelé, a alocação de talentos e a economia

No esporte e em outras atividades, o preconceito compromete o desenvolvimento da carreira

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Antes de Pelé, a vida dos negros no futebol não era fácil. Nas derrotas da seleção nos Mundiais de 1950 e 1954, atletas negros foram apontados como os principais culpados.

João Lyra Filho, chefe da delegação brasileira no torneio da Suíça, descreveu que a eliminação naquele Mundial se deu devido ao fato de que o futebol praticado pelo time, apesar de vistoso, não era competitivo.

O exibicionismo, características que Lyra Filho atribuiu aos negros, comprometia a competição. Assim, ele sugeriu que o futebol deveria se dissociar do conhecimento da capoeiragem.

Em 1958, essa visão preconceituosa foi contestada com o primeiro título mundial. No torneio realizado na fria Suécia, Pelé e Garrincha mostraram, para os suecos e para o mundo, o calor e a magia do futebol brasileiro.

O valor do jogador negro foi demonstrado com uma alta performance de gingas e dribles desconcertantes. A conjunção de exibição e resultado trouxe seguidos títulos para a seleção brasileira.

Pelé se tornou o Rei do Futebol e, ao mesmo tempo, teve um profundo impacto na evolução do esporte. Dentro de campo, ele foi um atleta caracterizado pela excelência. Fora das quatro linhas, sua imagem teve repercussões na forma como a população negra era vista.

O garoto prodígio se tornou o rosto do Brasil no mundo. Mesmo lugar onde setores da elite acreditavam que a alta proporção de negros na sociedade dava ao país uma aparência de segunda classe.

Nesse contexto, deve-se lembrar que, tanto no esporte quanto em outras atividades, o preconceito representa um custo que afeta a evolução individual e compromete o desenvolvimento da carreira.

Pelé foi responsável por diminuir esse custo. No futebol, ele abriu caminho para que outros atletas negros pudessem mostrar o seu valor e prosperar. Talvez, sem o Rei, o preconceito fizesse com que a seleção brasileira se tornasse majoritariamente branca e, possivelmente, com menos títulos expressivos.

Isso ocorreria porque o talento não está associado à cor da pele e ao gênero. Excluir parcela da população também implica a eliminação de talentos e, evidentemente, tal fato inibe qualquer equipe de atingir o seu potencial.

Se pensarmos a economia como um conjunto de times de futebol, a conclusão é trivial. Nesse contexto, a baixa diversidade nas ocupações de alta qualificação representa um profundo desequilíbrio na alocação de talentos.

Existem inúmeras forças agindo sobre esse desequilíbrio e, consequentemente, fazendo com que os indivíduos talentosos acabem em ocupações que estão abaixo do seu potencial. Uma delas é a discriminação no mercado de trabalho. Outra se refere às barreiras que impedem o desenvolvimento de talentos, como, por exemplo, um sistema educacional deficiente. Por fim, há as normas sociais, como a crença cultivada por alguns de que as mulheres nasceram para cuidar da casa e da família.

Nos Estados Unidos, um estudo publicado na Econometrica mostrou que a má alocação de talentos pode ter um expressivo efeito sobre a economia (“The allocation of talent and U.S. economic growth”, 2019).

Os pesquisadores argumentam que a expressiva ampliação na diversidade das ocupações de alta qualificação teve fortes desdobramentos econômicos naquele país. De acordo com o estudo, a inclusão de negros e mulheres nessas ocupações explicaria cerca de 20% a 40% do crescimento do PIB americano per capita no período compreendido entre 1960 e 2010.

Enquanto isso, no Brasil, as ocupações de alta qualificação apresentam uma baixa proporção de negros e mulheres. Uma mistura de desastre social com discriminação e uma pitada de hipocrisia dificultam o progresso do país.

O texto é uma homenagem à música “Acredita no Véio”, de Edson Arantes do Nascimento, também conhecido como Pelé.

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