Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Onde está a minha mente? Epidemia de 'mortes por desespero' antecede o coronavírus

Cresce número de óbitos decorrentes de suicídio, overdose de drogas e alcoolismo

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Insônia. Outra manhã cinzenta e com dificuldade para sair da cama. Tudo requer muito esforço. Parece que nada mais dá prazer. As emoções estão à flor da pele. O sentimento de tristeza não passa. A baixa produtividade compromete o trabalho enquanto o medo domina os pensamentos. A vida perde o brilho e o sentido. Terapias, remédios, alcoolismo, drogas ilícitas e, em certos casos, suicídio.

A luta para ganhar a vida pode, paradoxalmente, representar sua perda. Em 2015, houve uma reversão na secular tendência de crescimento da expectativa de vida nos Estados Unidos. A explicação, de acordo com Anne Case e Angus Deaton, seria o que denominaram de “mortes por desespero”, que são aquelas relacionadas a suicídio, overdose de drogas e alcoolismo.

Só em 2017, houve 158 mil mortes ligadas a esses fatores nos EUA. Isso representa o equivalente a uma pandemia por ano e afeta, principalmente, a população de menor renda e escolaridade. Porém, tem-se um agravante: não há vacina para esse tipo de pandemia.

Gabriel Cabral/Folhapress

No livro “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” (Mortes por Desespero e o Futuro do Capitalismo, em tradução livre), o casal Case e Deaton procurou descrever as forças sociais e econômicas que estão empurrando centenas de milhares de americanos para o desespero. O capitalismo, que nas últimas décadas melhorou a condição socioeconômica de milhões de pessoas, agora está, de certo modo, destruindo vidas.

Desde 1979, existe um declínio significativo dos salários dos menos escolarizados. Em tempos de recessão, trabalhadores desqualificados têm maior probabilidade de perder o emprego e, quando encontram outro, geralmente, não é tão bom quanto o anterior.

Ao mesmo tempo, houve uma deterioração do capital social, menor número de casamentos e aumento dos nascimentos fora de uniões conjugais. As normas sociais mudaram. E isso ocorreu em velocidade marcante.

O quadro geral é de diminuição nas oportunidades econômicas e de profundas transformações na estrutura da sociedade. As mortes por desespero estão aumentando de forma acentuada entre os brancos americanos sem diploma universitário, com maior risco para as gerações mais novas.

No Brasil, o contexto parece não ser tão assombroso se comparado com os Estados Unidos. Em 2017, houve 24.478 mortes relacionadas a suicídio, doença alcoólica no fígado e transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e substâncias psicoativas.

Entretanto, esses números podem aumentar. Com a pandemia do coronavírus, as perturbações mentais se ampliaram. O cenário atual, caracterizado pela incerteza, solidão e angústia, levou milhares de pessoas a adotarem hábitos não saudáveis. O consumo de álcool, cigarros e outras drogas cresceu. Por sua vez, o tempo destinado às atividades físicas diminuiu.

A depressão, que já era uma das principais responsáveis por gerar incapacidade no trabalho, abraçou novos indivíduos e trabalhadores desalentados. Aqueles que possuem recursos, tiram férias e procuram se recuperar em seções de terapias e com remédios controlados. Aos desfavorecidos, resta conviver com uma dor cuja origem, em muitos casos, não compreendem.

O título é uma homenagem à música "Where is my mind"?, de Charles Thompson, e interpretada pela banda americana de rock alternativo Pixies. Ela faz parte da trilha sonora do que, na minha opinião, representa um dos melhores filmes produzidos pelo cinema e talvez seja uma boa síntese desta coluna: "Clube da Luta".

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