Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Racismo de negros contra brancos ganha força entre negacionistas

Apostar em polêmicas pode acabar levando indivíduos de baixíssimo nível técnico ao poder

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Formar grupos é inerente à condição humana. Categorizamos e hierarquizamos nossos semelhantes mesmo inconscientemente. Algumas classificações, como gênero, raça e classe social, surgem de forma natural quando nascemos.

Apesar disso, essas e outras categorizações não são neutras. A construção social ao longo do tempo fez com que determinados grupos se tornassem mais proeminentes que os demais, podendo gerar, assim, benefícios sistêmicos para alguns e custos para outros.

Pesquisadores de diversos centros ao redor do mundo apresentam, recorrentemente, evidências empíricas de que o pertencimento a certos grupos pode influenciar de formas distintas os resultados alcançados pelas pessoas.

Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista (SP), em protesto pelo assassinato de Beto Freitas, em Porto Alegre - Bruno Santos - 21.nov.2020/Folhapress

Sem intervenções efetivas, a tendência é de progressiva acumulação de poder em alguns grupos. Isso pode gerar um viés estrutural contra os menos favorecidos. Mesmo elites mais progressistas tendem a colocar seus interesses individuais acima do coletivo.

Naturalmente, com o passar do tempo, aumenta-se a conscientização das minorias e se intensifica o processo de reação contra o grupo dominante. Demandas por políticas de inclusão aumentam, assim como debates acalorados e a contrarreação de parcela da sociedade.

Com isso, as tensões se elevam. Os sentimentos de rancor e ressentimento também. O preconceito e a discriminação das minorias contra o grupo dominante podem aumentar. Entretanto, para verificar isso, deve-se investir em pesquisas empíricas rigorosas. Alguns temas são sensíveis demais e merecem maiores cuidados na abordagem.

No entanto, na tentativa de defender suas ideologias, setores das minorias e do grupo dominante costumam usar as mais variadas técnicas de persuasão. O objetivo de muitos no debate público não é contribuir para uma discussão construtiva, baseada em fatos e evidências, mas sim ganhar fiéis seguidores enquanto empurram suas bandeiras.

Apostar em polêmicas é sempre certeiro. Causa ressonância e, logo, visibilidade. Porém, pode acabar levando indivíduos de baixíssimo nível técnico ao poder. Mexer com as emoções das pessoas costuma ter mais retorno do que procurar construir uma discussão qualificada.

No debate de ideias, negar teorias empiricamente testadas tem se tornado uma prática corriqueira. Para isso, os negacionistas usam diversas metodologias. Misturam conceitos. Apontam casos isolados na argumentação e, por fim, em alguns casos, criam teorias conspiratórias.

Nessa linha de pensamento, atitudes preconceituosas e discriminatórias realizadas por alguns negros, assim como políticas de inclusão voltadas para não brancos, são vistas como racistas por um conjunto de negacionistas.

Eles negam o fato de que o racismo é algo mais profundo e que é necessário contar com um amplo aparato de poder econômico, político e institucional para propagar preconceitos e discriminação de forma generalizada.

Contudo, eles não estão sozinhos. Muitas vezes, representam as vozes daqueles que procuram subterfúgios e ficam em silêncio devido ao medo de expor o que estão pensando. Com os progressos da agenda de inclusão e o choque de narrativas, parte do grupo dominante tem sentido um desconforto.

Se, por um lado, muitos apoiam os avanços dessa agenda, por outro, pode existir um incômodo, mesmo que não consciente, com a lenta, mas progressiva e inevitável, perda de alguns dos seus privilégios.

O texto é uma homenagem à música "Cabelo Duro", interpretada por Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção, no álbum que, curiosamente, tem o nome: "Isso Vai Dar Repercussão".

Para quem não acompanhou o debate da semana passada, o título é uma ironia ao texto "Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo", publicado na Folha.

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