Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Descrição de chapéu universidade

Ainda não lidamos com a endogamia nas universidades

Talvez doutores da elite não sejam o suficiente para pensar o Brasil

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A sociedade brasileira apresentou avanços na democratização do acesso ao ensino superior nos últimos anos. Porém, o mesmo não pode ser dito sobre a pós-graduação. Ainda existem consideráveis desafios a serem enfrentados se o objetivo for criar as condições necessárias para que jovens talentosos de baixa renda consigam prosperar na carreira acadêmica.

Esses jovens superaram as mais variadas barreiras para chegar até o ensino superior. Contudo, a luta não termina quando são aprovados no vestibular. A graduação é um período marcado pelo desafio de continuar estudando com o baixo apoio financeiro que os pais conseguem dar, e, em muitos casos, as universidades estão localizadas em bairros distantes ou em outras cidades.

O trabalho e o tempo de deslocamento retiram desses jovens a oportunidade de se dedicar com maior empenho à vida universitária. Muitos terão dificuldades para participar dos eventos, projetos de extensão e fazer iniciação científica. Isso pode diminuir o interesse acadêmico e, consequentemente, impactar negativamente a quantidade daqueles que aplicam para o mestrado e doutorado.

Fachada da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco (SP)
Fachada da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco (SP) - Rubens Chaves - 12.mar.2022/Folhapress

O baixo envolvimento com atividades da graduação também pode se refletir negativamente no currículo e no aproveitamento, diminuindo, assim, as chances de eles conseguirem ser aprovados nos programas de pós-graduação mais concorridos.

Do outro lado, os candidatos de alta renda tendem a possuir maior suporte familiar e costumam ter a oportunidade de passar um período se preparando exclusivamente para participar dos processos seletivos nacionais e internacionais.

Assim, mesmo os melhores alunos de baixa renda terão dificuldades na competição acadêmica. Apesar de seus esforços, os resultados alcançados são não apenas um reflexo de suas capacidades cognitivas mas também do descaso que a sociedade brasileira tem com suas trajetórias.

Nos últimos anos, houve um expressivo corte de bolsas de estudos e, sob a cegueira do discurso do mérito, vários departamentos de pós-graduação alocam as poucas bolsas que restaram para os candidatos de alta renda e, assim, desconsideram que muitos estudantes talentosos de baixa renda percorreram um caminho bem maior para chegar até ali.

Entretanto, mesmo com uma bolsa de estudos, o custo de vida nas grandes cidades é alto, e muitos ainda precisam ajudar seus pais financeiramente. Em vários casos, a pressão familiar e o maior retorno inicial do mercado de trabalho são condições suficientes para eles desistirem de continuar estudando.

Desse modo, existe um conjunto de circunstâncias que estão fora do controle do indivíduo e faz com que o custo de continuar na trajetória acadêmica para os estudantes de baixa renda seja maior do que para seus colegas de alta renda. Tal cenário tem profunda repercussão sobre a diversidade da pós-graduação e contribui para que uma parcela expressiva dos professores universitários seja apenas um retrato da elite.

No entanto, sabemos que isso não é uma particularidade das universidades. Dadas a arquitetura de funcionamento da sociedade brasileira e nossa incompetência em diminuir a desigualdade de oportunidades, o que se tem no país é uma espécie de endogamia nas posições de maior status social.

Porém, tal fato é ainda mais preocupante quando consideramos os centros de produção e difusão de conhecimento. Isso porque, assim como a variabilidade genética é essencial para a evolução das espécies, a diversidade de pensamentos é fundamental para o avanço das ideias.

Sem maior inclusão das minorias nos nossos departamentos de pós-graduação, talvez os doutores da elite tenham dificuldades em compreender a complexidade da realidade social brasileira. Vale lembrar que até pouco tempo atrás defendia-se a tese de que o país vivia em plena democracia racial.

O texto é uma homenagem à música "Freedom", interpretada por Charles Mingus.

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