Michele Oliveira

Jornalista, já trabalhou nas áreas de esporte, política, cidades e design

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Michele Oliveira
Descrição de chapéu Copa do Mundo

O nosso esporte preferido é discordar

O clima de Copa enfim chegou antes da estreia, mas empate bipolariza país novamente

Durou poucas horas a falsa impressão de união entre os brasileiros. O açougue estava cheio no domingo pouco antes do almoço e, apesar disso, o clima era de gentilezas entre fregueses vestidos de verde, amarelo e azul.

Uma mulher com idade para 15 Copas deixou um mocinho nascido há uns 5 Mundiais passar à frente na fila do balcão e, no caixa, outro senhor que parecia já ter "aberto os trabalhos" àquela hora queria saber do atendente atarefado se o movimento havia aumentado por causa da estreia do Brasil. Na calçada, vizinhos se despediam com um efusivo "bom jogo". Estava instalado, enfim, o tão esperado clima da Copa.

 

Mas foi só terminar a partida com a Suíça e duas discussões já ameaçam bipolarizar o país de volta: o árbitro de vídeo e o cabelo do Neymar.

Na mesa-redonda do canal pago, quase 30 horas depois de encerrado o jogo, cinco especialistas assistem às reprises repetidas vezes (põe redundância nisso) e tentam decidir se foi falta no Miranda, se o árbitro deveria ter consultado o VAR, se o VAR é só para falhas graves, se o futebol um dia será o mesmo.

O ex-jogador reclama que, daqui para a frente, "tudo vai ser certinho no futebol" e o apresentador, disfarçando os "rolling eyes", responde que no tênis é tudo certinho já faz tempo. No pique, eles começam a falar alto e abandonam a discussão sobre a falta para debaterem a nova tecnologia somente.

Fico com a impressão de estar ouvindo uma conversa entre taxistas e motoristas do Uber, até que o outro ex-jogador dá a dica do que está por vir: em Portugal já tem programa de TV só para debater o VAR. Eles mudam de assunto sem chegar a um consenso.

Na mesma hora, outro racha movimenta o grupinho de WhatsApp, uma versão virtual dessas arenas televisivas, onde todos sempre temos muita opinião.

Lá, capilaristas não especializados fazem suas análises sobre o penteado do Neymar. Se ficou bonito ou feio, se ele deveria ter feito isso na véspera desse jogo, se ele quis chamar a atenção para si em vez do coletivo, se é alguma jogada de marketing, se é porque ele namora a atriz da novela das sete, se ele merece estar na seleção.

Enquanto digitam, compartilham memes e gifs de maneira frenética até que uma amiga manda o convite de aniversário do filho e pacifica o ambiente. O futebol, pouco se lamentou. O nosso esporte preferido é discordar.

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