Diariamente, incentivados por um sistema que fabrica, distribui e nos condiciona ao medo, escolhemos segurança em detrimento de liberdade. Não há alternativa aqui: optando por uma, abre-se mão da outra.
Essa é, entretanto, uma escolha cheia de ilusões: não temos como controlar o destino, ainda que vivamos tomados da certeza de poder evitar o pior desde que façamos o que as instituições mandam, e compremos os produtos que elas sugerem que compremos para incrementar nossa sensação de segurança.
Se o futebol é o jogo que melhor reflete a sociedade, o "futebol moderno" aprimorou todos os esquemas de segurança a fim de evitar o que de pior pode acontecer em uma partida, o gol do adversário.
Superdefesas estão sendo montadas e não é incomum vermos nove jogadores protegendo a grande área e transformando o campo numa quadra de handebol.
Que o espetáculo seja prejudicado com táticas e estratégias preocupadas exclusivamente em defender já quase não vem ao caso. Ganhar de 1 a 0, marcando num contra-ataque solitário e tendo dado até ali nenhum chute a gol, é motivo de celebração. Como na vida, o que importa é ser o primeiro.
Ninguém está muito a fim de grandes emoções, e treinadores gastam bastante tempo e criatividade elaborando suas superdefesas quase perfeitas; tão eficientes quanto tediosas. Não surgem novos dribles, novas formas de atacar, novas movimentações; o "futebol total", de Mitchel, e o tiki-taka, de Guardiola, foram as últimas inovações.
Hoje, torramos criatividade em esquemas que diminuem ao máximo o risco de levar um gol. Morre muito da beleza do jogo, mas quem quer espetáculo deve ir ao teatro, dizem os fãs do futebol atual; na Copa o que vale é se agarrar à bandeira e berrar pelo título, venha ele como vier.
Não eu. Torço pelo rebelde, aquele poeta que, endoidecido, rompe o padrão e nos faz entender que parte do sentido dessa experiência aqui é a de sermos capazes de compreender sensações causadas pela percepção do belo --a estesia.
Numa sociedade anestesiada por opressões, o futebol deveria nos libertar e, assim, elevar todos nós a um lugar de mais significado, criatividade e beleza. Nas palavras do jornalista irlandês Shaun Harkin: a batalha pela alma do jogo é a batalha pelo tipo de sociedade dentro da qual merecemos viver.
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