No último domingo meu marido foi xingado de cagão. Primeiro por uma pessoa da família, que insistia para ele ir à praia, apanhar sol, dar um mergulho no mar, caminhar no calçadão: “Vai fazer bem para você respirar, conversar, ver gente normal. Você está isolado, não sai de casa há quatro meses. Sou mais velha que você e não tenho medo. Não tem perigo. Deixa de ser cagão”.
Depois, por um amigo de infância que preparou um churrasco no sítio para a família e amigos: “Você é muito negativo, dramático, hipocondríaco. É só pegar o carro, são só duas horas de viagem. Você dorme aqui e volta amanhã para a prisão. Prova que é homem de verdade, deixa de ser covarde. Foda-se o vírus. Vem ficar com a sua família e amigos. Você não está sentindo falta de nós? Vem, seu cagão”.
Ele ficou assustado com a estupidez e maldade das cobranças que sofreu. O pior é que as pessoas que o acusaram de cagão sabiam que ele teve um sério problema de saúde e está seguindo todas as recomendações médicas.
Aprendi que rir é sempre o melhor remédio. Para que o meu marido não ficasse triste com a ignorância e perversidade de pessoas tão próximas, inventei uma brincadeira. Enquanto ele preparava o almoço, filmei o seu balanço da semana para o nosso “Domingão do Cagão”:
“Vou começar o Domingão do Cagão dando nota dez para os momentos mais felizes: as chamadas de vídeo para ver os netinhos de sete meses e as conversas com o nosso melhor amigo Guedes, de 97 anos. Quase cem anos de diferença, mas o mesmo amor e alegria. Dou nota zero para o absurdo e insanidade que são os idiotas irresponsáveis se aglomerando em bares e praias, sem máscara e sem distanciamento, colocando em risco as nossas vidas. Se ser cagão é ter consciência da gravidade da situação e querer proteger a vida de quem eu amo, melhor ser cagão do que cúmplice de um genocídio”.
Você já foi xingado de cagão?
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