Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu casamento

O sexo dos homens imbrocháveis

Quem disse que é incompatível sofrer com a tragédia brasileira e ter tesão?

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Mirian, desde março estou com vontade de comentar a sua coluna “Por que os brasileiros perderam o tesão?”. Como sempre, suas reflexões provocaram conversas instigantes com a minha mulher.

Na sua pesquisa, mais de 60% dos casais disseram que o tesão diminuiu drasticamente ou simplesmente desapareceu na pandemia. Só 10% afirmaram que a frequência sexual está maior. Deduzo, então, que cerca de 30% devem estar transando como antes, certo?

Espero que dizer que eu e minha mulher estamos no grupo dos 10% não pareça exibicionismo ou arrogância da minha parte. O fato de estar transando não significa que sou insensível, egoísta e alienado. Estou sofrendo muito com essa calamidade, além de revoltado com os negacionistas que se aglomeram em bares e festas, não usam máscara, e ainda apoiam e se identificam com psicopatas genocidas. Mas não posso negar que, apesar do sofrimento inevitável, sexo é um dos poucos prazeres que ainda me resta em meio a essa tragédia.

Casal na cama entre lençóis brancos
Deagreez/Adobestock

Mas o que me deixou mais incomodado foi o seguinte questionamento de um homem de 51 anos na sua coluna “Os imbrocháveis estão gozando com a dor dos brasileiros”:

“Quem são os 10% que estão transando mais do que antes? Jovens apaixonados com os hormônios em ebulição? Egoístas que só se preocupam com o próprio umbigo e não se afetam com uma guerra que está exterminando milhares de brasileiros todos os dias?”

O brocha, como ele mesmo se definiu, não entende como um homem normal consegue se alienar dessa tragédia e se concentrar no próprio prazer. Ele dá a impressão de que só existem dois tipos de homens. De um lado, o imbrochável: tão bruto e insensível que, apesar dessa catástrofe assustadora, estaria transando como nunca. De outro, o brocha: tão sensível e humano, tão deprimido e desesperado com a situação do país, que não consegue mais transar.

Fica evidente que, para o seu leitor, do lado do mal estariam os imbrocháveis: insensíveis, negacionistas, tóxicos, egoístas, desumanos etc. E, do lado do bem, os brochas como ele: sensíveis, bondosos, empáticos, solidários, humanos etc.

Por que será que ele tem essa necessidade de politizar tudo, transformando até mesmo o sexo em um verdadeiro “fla X flu”? Como algo tão individual, que diz respeito unicamente ao casal, pode ser rotulado como normal ou anormal, saudável ou tóxico, certo ou errado? Estou prejudicando alguém por estar transando com a minha mulher? Agora, até o sexo precisa ser politicamente correto?

Afinal, será que apenas os egoístas que só se preocupam com o próprio umbigo estariam transando? Somente os monstros que não se comovem com a morte de quase meio milhão de brasileiros continuariam a sentir prazer com o sexo? Todos os homens sensíveis deveriam parar de transar? Ou será que eu deveria sentir culpa por não ter perdido o tesão?

É verdade que a pandemia, somada à dramática crise política e econômica, afetou a vida de todos os brasileiros, e obviamente o tesão sofreu um impacto terrível. Mas não dá para classificar todo mundo que continua transando, ou que parou de transar, do mesmo jeito. Acho que devemos evitar cair na armadilha de dividir a sociedade brasileira em dois grupos de inimigos mortais. Para alimentar essa polarização odienta, já basta aquele tipo de homem que é tão inseguro com a própria sexualidade que busca desesperadamente convencer o mundo inteiro (e também a si mesmo) de que é um “macho de verdade”.

Mirian, você consegue compreender essa obsessão doentia do “macho de verdade” de declarar publicamente que é imbrochável? Ou será que nem mesmo “Freud explica” uma confissão pública tão ignóbil e imbecil como: “Sou imorrível, imbrochável e também sou incomível”?

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