Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu alimentação

Gordofobia mata!

Para muitas brasileiras, ser magra é mais importante do que ter saúde

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"Mirian, amei o seu Manifesto das Coroas Poderosas. Que tal escrever o Manifesto das Gordas Poderosas? Sei o que é gordofobia desde criança, sempre senti culpa e vergonha do meu corpo. Não aguento mais ouvir: 'Você é tão bonita de rosto, mas... Você não tem autocontrole', como se eu ficasse o dia inteiro deitada no sofá, assistindo TV e comendo compulsivamente. 20% dos brasileiros com mais de 18 anos são considerados obesos. Sei que a obesidade é um risco para a Covid-19. Mas preconceito, estigma e intolerância também matam. Já fiz tantas loucuras para emagrecer que quase morri. Gordofobia mata!"

Minha mãe também ouviu desde criança: "Você é tão linda de rosto, mas...". Apenas com 60 anos ela ficou feliz com o próprio corpo, pois, pela primeira vez na vida, conseguiu vestir uma calça jeans. Só que ela havia perdido 30 quilos por estar com câncer.

Mariana Costa, 26, que teve dificuldade para comprovar o IMC acima de 40 para poder tomar vacina, em sua casa no Rio
Mariana Costa, 26, que teve dificuldade para comprovar o IMC acima de 40 para poder tomar vacina, em sua casa no Rio - Zô Guimarães/Folhapress

Ao contrário da minha mãe, sempre fui magra. Minha mãe odiava cozinhar. E eu odiava comer. Nas refeições, para me obrigar a comer, ela puxava meu cabelo com força. Cada puxão, uma garfada. Quando ela não estava olhando, eu corria para o banheiro e jogava a comida na privada.

Meu apelido na infância era Olívia Palito. Na verdade, era um xingamento, pois, na época, ser magra era igual a ser feia e doente. Com 13 anos, fui obrigada a tomar um remédio para engordar. Fiquei "fofinha", como me diziam, até os 18 anos.

Depois dos 20 anos, minha magreza passou a ser invejada. Acho estranho ser elogiada por ser magra, pois isso significa que estou doente. Não consigo comer quando estou ansiosa. No início da pandemia, perdi sete quilos em um mês. Fiquei com 47 quilos. Quando meu pai morreu, anos atrás, cheguei a ficar com 42 quilos.

"Você parece um cadáver", um primo disse. Mas uma amiga confessou: "Estou com inveja do seu corpo. Queria ficar sem comer quando estou triste, mas eu como ainda mais".

Na minha pesquisa, quando perguntei "O que falta para você ser feliz?", muitas mulheres responderam: "Perder 20 quilos"; "emagrecer dez quilos"; "ser magra".

Não é à toa que a brasileira é a campeã, em todo o mundo, no consumo de medicamentos para emagrecer. É a mulher que mais deixa de sair de casa, ir a festas, à praia, e até mesmo de trabalhar, quando se sente gorda e feia.

Desde que Gisele Bündchen se tornou a modelo mais famosa e bem paga do mundo, meninas passaram a sonhar em ter o corpo e o sucesso da gaúcha apelidada "The Body". É curioso que o apelido dela na escola era Olívia Palito.

Sites na internet estimulam transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, divulgando mandamentos: "Limpe banheiros ou ambientes bem sujos para perder a fome. Você não deve comer sem se sentir culpada. Você não deve comer algo que engorda sem se punir depois. Ser magra é mais importante do que ter saúde".

Só com muito sacrifício, sofrimento e uma boa dose de "loucuras", as mulheres brasileiras conseguem conquistar o corpo invejado. "Loucuras" que podem custar a própria vida.

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