Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

Só vou gostar de quem gosta de mim

É preciso ter coragem para sobreviver em tempos de tanto ódio, destruição e violência

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Em outubro de 2015, tive vontade de celebrar o Dia do Idoso de um jeito bem diferente e especial. Além das palestras que costumo fazer na data, preparei uma "palestra musical" chamada "Velho é lindo!", com a minha banda "Coroas": eu como cantora, meu marido na bateria, um amigo no baixo e outro no violão.

No convite para o evento, escrevi: "‘Coroas’ é muito mais do que um projeto musical. É um projeto de vida. Nascemos com o propósito de mostrar a beleza das diferentes fases da vida para todos os brasileiros e brasileiras. Queremos revelar que a velhice pode ser reinventada todos os dias: com prazer, alegria e muito humor. Nosso lema é: nenhum poder e o máximo de sabor possível. Queremos reunir homens e mulheres com um só propósito: acabar com as violências, estereótipos e preconceitos que cercam a velhice. Com ‘Coroas’, queremos provar que: ‘Velho é lindo! Viva a bela velhice!’"

Na época, eu fazia aulas de canto só por prazer, sem qualquer expectativa de ser cantora. Por isso mesmo, fiquei muito feliz quando disseram que tenho a voz e o jeitinho de cantar da Nara Leão. Minha banda também sabia que era só diversão, pois nunca pensamos em ganhar dinheiro e fazer sucesso com a nossa "palestra musical".

José Guedes, de 97 anos, amigo de Mirian Goldenberg, ao lado dela, que está com um bolo
José Guedes, de 97 anos, amigo de Mirian Goldenberg - Arquivo pessoal

Cantei doze músicas dos anos 1950 e 1960, intercalando com seis vídeos curtinhos em que apresentei os dados da minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade. Foi a "palestra" mais divertida e emocionante que eu fiz em toda a minha vida.

Uma das músicas do repertório era: "Só vou gostar de quem gosta de mim". Segue um trechinho do sucesso que Roberto Carlos cantava na Jovem Guarda, em 1967: "De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida. Naquele instante que você partiu destruiu nosso amor. Agora não vou mais chorar, cansei de esperar, de esperar enfim. E pra começar eu só vou gostar de quem gosta de mim... Por isso é que eu vou mudar, não quero ficar chorando até o fim. E pra não chorar, eu só vou gostar de quem gosta de mim."

Decidi que o meu mantra de 2022 será: "Só vou gostar de quem gosta de mim".

Podem me chamar de Pollyanna, mas resolvi que só vou gostar de quem alimenta a minha alma e o meu coração de coisas boas, belas e significativas. Não vou desperdiçar meu tempo, meu bem mais precioso, com "vampiros emocionais" que sentem um prazer sádico em destruir, desqualificar, diminuir, machucar e vomitar ódio e maldade. Quero esses "vampiros do mal" bem longe de mim em 2022.

O Google me ajuda quando quero compreender o significado de algumas palavras que passaram a fazer parte da minha vida no ano passado. Afinal, o que são haters?

"Haters significa ‘os que odeiam’ ou ‘odiadores’. O termo é utilizado para classificar pessoas que praticam ‘bullying virtual’. Basicamente, o hater é uma pessoa que não está feliz com o êxito, conquista e felicidade de outra pessoa. Assim, prefere atacar, criticar, desqualificar, desvalorizar as ações e vitórias do seu ‘alvo’".

O Google ainda me mostrou que existe uma expressão popular na internet: "Haters gonna hate" que significa "odiadores sempre irão odiar". E que a palavra haters também pode ser traduzida como "invejosos ou inimigos". Ou seja: "os invejosos ou inimigos sempre irão odiar".

No ano passado, em um momento em que eu me sentia sem força, energia e saúde, e muito mais vulnerável aos haters que hoje proliferam no mundo virtual e real (e que me fazem ter vontade de desistir de tudo), Guedes, de 98 anos, me deu uma bronca: "Tem que ter coragem, Mirian. Coragem!".

Sempre penso: se o meu melhor amigo tem tanta coragem para sobreviver em um mundo infectado por "odiadores", eu não tenho o direito de desistir só porque os "haters de plantão" sempre irão buscar algum pretexto para odiar, não é mesmo?

Em meio a tantas tragédias, perdas, sofrimentos, tristezas e medos que não me deixam dormir, uma dúvida cruel me angustia: Por que tantos brasileiros apoiam e se identificam com "odiadores" que só sabem odiar?

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