Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu universidade

Você já sofreu com as maldades e mentiras dos fofoqueiros de plantão?

Como diz Tati Bernardi: "Se for falar mal de mim, me chame. Sei coisas terríveis a meu respeito"

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Uma colega de trabalho, que só me procura para pedir "favorzinhos de cinco minutinhos", me ligou para me convidar para uma live sobre envelhecimento e felicidade. Apesar de eu ter respondido que não poderia participar, ela me pediu outro "favorzinho": divulgar a live no meu Instagram, Facebook e LinkedIn, já que "tenho milhões de fãs".

Como sempre, ela falou muito mais do que "cinco minutinhos":

"Você é muito ousada, você se expõe muito, escreve coisas que ninguém tem coragem de dizer no mundo acadêmico. Ontem mesmo um colega nosso disse que não compreende porque você só escreve sobre questões que milhares de pessoas que não pertencem ao mundo acadêmico gostam de ler. Disse que você é muito simplesinha, fala de um jeito muito acessível e popular. Por que você não para de escrever sobre as escolhas amorosas e sexuais das mulheres maduras, e escreve sobre temas mais urgentes como a violência doméstica e a ausência de políticas públicas para os idosos mais pobres? Vai ser bom para sua carreira."

Tubarão branco nadando em aquário
Fernando Maia/Riotur

Respondi que ela sabe muito bem que eu também pesquiso e escrevo sobre os temas mencionados. Contei que, em junho de 2021, concluí um pós-doutorado sobre envelhecimento, autonomia e felicidade e, em novembro, comecei outro pós-doutorado sobre envelhecimento, família e violência. Disse que costumo recusar mais de 90% dos convites que eu recebo para participar de lives, programas de rádio e televisão, pois meu tempo é totalmente dedicado a pesquisar e escrever sobre a violência contra os mais velhos e, mais importante ainda, para "escutar bonito" e cuidar dos meus amigos nonagenários.

Ela então disse: "Eu sinto inveja do seu sucesso porque você é famosa e está sempre na mídia. Você fez algum curso de querida? Você é tão boazinha e meiguinha, todo mundo gosta de você. Como você consegue nunca brigar com ninguém?"

Com certeza ser "boazinha e simplesinha" não é um elogio em um mundo de pessoas que exibem seus títulos e currículos como sinais de superioridade intelectual. Já ouvi fofocas horrorosas sobre alguns colegas que se odiavam um dia e, no dia seguinte, se juntaram para fazer fofocas sobre outros. Conheço alguns que sentem um prazer sádico em humilhar, diminuir, desvalorizar os próprios amigos, sócios e parceiros de trabalho.

Sinceramente, não entendo quando alguém diz que sente inveja de mim: não durmo, sofro de ansiedade excessiva e, por mais que eu trabalhe sem parar, me sinto impotente e angustiada por não fazer muito mais do que eu faço. Eu invejo quem consegue dormir quatro ou cinco horas sem precisar tomar um ansiolítico.

Sempre me senti um "peixe fora d'água" nas disputas, brigas e intrigas típicas do mundo acadêmico. Já fiquei doente por não saber como lidar com as maldades e agressões de um ambiente tão competitivo e destrutivo.

Infelizmente, nenhum ambiente de trabalho (e até mesmo familiar) está livre da competição, inveja e fofoca.

Talvez por ser tão insegura, tímida, introvertida, "boazinha e simplesinha", nunca consegui gritar, brigar, xingar e me exibir como alguns colegas fazem tão descaradamente.

Amo escrever, amo estudar, amo pesquisar, amo dar aulas e amo ser lida e compreendida por quem gosta do que eu gosto de escrever. Nada do que eu produzo teria qualquer significado se eu não tivesse meus leitores e leitoras.

Depois de tantas décadas me sentindo um "peixe fora d’água" em um tanque repleto de tubarões vorazes e predadores, estou descobrindo que o oceano é muito mais profundo e que tenho a sorte de ter muitos "peixinhos simplesinhos e bonzinhos" nadando ao meu lado.

Senti muita raiva de perder um tempo precioso da minha vida com uma conversa tão desagradável e quase interrompi a fofoca com uma frase de Epicteto: "Ele desconhece meus outros defeitos, ou não mencionaria somente esse". Mas, como fiz um "curso de querida", preferi ser "meiguinha" e encerrar a verborragia maledicente com a frase genial da Tati Bernardi: "Se for falar mal de mim, me chame. Sei coisas terríveis a meu respeito".

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