Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

O machismo brasileiro e a dominação do mal

A lógica da dominação masculina silencia e mata mulheres e homens

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Uma aluna me interrompeu bruscamente quando eu estava dando uma aula para uma turma de psicologia sobre o livro "A dominação masculina", de Pierre Bourdieu.

"Você está comparando o sofrimento das mulheres com o dos homens?"

Respondi que, para o sociólogo francês, a lógica da dominação masculina, além de oprimir, aprisionar e escravizar as mulheres, também provoca sofrimento nos homens que não conseguem corresponder ao modelo dominante de ser um "homem de verdade".

Manifestação na avenida Paulista, em apoio ao Dia das Mulheres
Manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, no Dia Internacional da Mulher - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress

Na lógica da dominação masculina, os homens devem ser sempre superiores às mulheres: mais velhos, mais altos, mais fortes, mais poderosos, mais ricos, mais escolarizados etc. Essa lógica tem como efeito colocar as mulheres em um permanente estado de insegurança, inferioridade e dependência. Delas se espera que sejam submissas, contidas, discretas, apagadas, inferiores, invisíveis.

No entanto, essa lógica aprisiona as mulheres e também os homens, já que eles precisam fazer um esforço desesperado e patético, segundo Bourdieu, para estar à altura do ideal de masculinidade: força física, altura, sucesso, poder, prestígio, dinheiro, potência, virilidade, tamanho do pênis etc.

A aluna reagiu agressivamente: "Mas os homens não precisam ser defendidos pelas mulheres. Eles são os agressores, os inimigos, não as vítimas. Todos os homens são culpados ou cúmplices da violência que as mulheres sofrem".

Tentei argumentar mostrando que os discursos sobre masculinidade podem ter mudado, mas que muitos comportamentos e valores permanecem, de forma consciente ou inconsciente, reproduzindo e fortalecendo a lógica da dominação masculina, inclusive pelas próprias mulheres.

"Ninguém está defendendo os machistas, só estamos refletindo sobre como a lógica da dominação masculina aprisiona mulheres e homens. Não estamos diminuindo o sofrimento feminino, mas apenas mostrando que os homens também sofrem. E sofrem calados."

Dei então alguns exemplos das minhas pesquisas. Quando perguntei: "O que todo homem é?", as respostas mais citadas foram: machista, galinha e infiel. Para "O que toda mulher é?", a maioria respondeu: maternal, sensível e romântica.

Quando perguntei: "Você chora muito ou pouco?", 52% das mulheres responderam que choram muito, 46% choram pouco e 2% nunca choram. Já os homens disseram que choram pouco (58%) ou nunca (37%). Apenas 5% choram muito. Perguntei: "Quem chora mais: o homem ou a mulher?": 95% concordaram que a mulher chora mais e 5% que homens e mulheres choram igual.

Muitos homens cresceram ouvindo: "Homem não chora"; "Homem que chora é mulherzinha"; "Engole o choro, seja um homem de verdade"; "Chorar é frescura, coisa de maricas". Alguns choram escondido, dentro do banheiro, pois não querem revelar seus medos, fraquezas e inseguranças para a esposa, namorada, filhos, pais e amigos. Outros confessaram que só choram quando estão bêbados, como um estudante de 18 anos:

"Quando minha namorada terminou comigo entrei em depressão, passei a beber muito, tomar muito remédio. Muitas vezes me escondi para chorar no banheiro do bar para meus amigos não zombarem de mim."

Mostrei pesquisas sobre o número de homens que morrem de infartos, suicídios, violência urbana. E outras sobre aposentados que se tornaram alcoólatras por se sentirem inúteis, invisíveis e descartáveis. Apresentei os resultados de pesquisas sobre jovens que têm vergonha do tamanho do pênis e que tomam Viagra por medo de brochar.

A aluna gritou: "todos os homens são machistas".

A turma tinha 100 alunos: 75 mulheres e 25 homens. Por que ninguém mais disse o que pensava? Por que todos ficaram calados?

Muitos alunos e alunas vieram conversar comigo depois da aula.

"Professora, o discurso odiento e raivoso silencia as vozes de todos, não importa o assunto, pode ser machismo ou outro qualquer. Ela não quer ouvir ninguém, só quer vomitar seu ódio. Vivemos em uma época em que mesmo que 99% pensem diferente, o mal e o ódio venceram, estão no poder. Não existe a banalização do mal? Agora é a era da dominação do mal."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.