Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

O que fazer para não enlouquecer nas noites de insônia?

É possível aprender a sonhar sem conseguir dormir

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Desde menina, sou viciada em livros. Amo o livro impresso, gosto de riscar os trechos mais importantes com canetas coloridas, imagino que estou conversando com o autor quando faço minhas observações no livro e marco as passagens mais significativas. Tenho o hábito de escrever no próprio livro as perguntas e dúvidas geradas pela leitura. Meus livros são repletos de cores e anotações.

Nunca havia escutado um audiobook até que, em setembro de 2019, fui convidada para gravar o meu livro "Liberdade, Felicidade e Foda-se!" Perguntei o nome da profissional que iria gravá-lo e a resposta me surpreendeu:

Estudantes de escolas públicas que receberam vouchers para compra de livros na Bienal do Livro do Rio de Janeiro
Estudantes de escolas públicas que receberam vouchers para compra de livros na Bienal do Livro do Rio de Janeiro - Divulgação - 12.mar.21

"Queríamos que você mesma fizesse a gravação".

"Como assim? Nunca fiz isso. Não é melhor uma profissional?"

"Achamos que seria muito melhor a sua própria voz. Sua voz já é muito conhecida. O livro é baseado no seu TEDx ‘A invenção de uma bela velhice’ que já foi visto por mais de 1 milhão e 200 mil pessoas no Youtube. E sua voz também é conhecida por suas participações na televisão".

É verdade. Já fui reconhecida no supermercado e caminhando na rua, de costas, por mulheres que apenas ouviram a minha voz.

"Adoro te assistir no 'Encontro com a Fátima Bernardes', sou sua fã. Você tem uma voz tão doce que me acalma".

"Já ouvi mais de dez vezes seu TED e compartilhei com todas as minhas amigas. Você tem uma voz tão calminha e gostosa".

Tudo o que eu não sou é calminha. Sou ansiosa, preocupada, tensa e intensa. Mas já ouvi inúmeras vezes que minha voz é calminha, suave e doce.

Aceitei o desafio e lá fui eu, de metrô, para a Barra da Tijuca gravar meu primeiro audiobook. Foram duas tardes inteiras em um pequeno estúdio. No início, fiquei tímida e envergonhada, mas depois fui me soltando e passei a interpretar as conversas que tive com meus entrevistados.

Ler e interpretar o meu próprio livro foi uma experiência divertida e saborosa. E ficou melhor ainda quando escutei o audiobook pronto. Descobri algo curioso: escutar minha própria voz me acalma. Como sofro de insônia, passei a escutar meu audiobook na hora de dormir. E passei a dormir muito bem, sem precisar de calmantes ou ansiolíticos.

Continuo viciada e apaixonada pelos livros impressos, mas, desde então, adquiri o hábito de adormecer ouvindo audiobooks. Lógico que não é mais o meu, que já sei de cor. Tenho adormecido ouvindo audiobooks de psicologia, especialmente sobre o funcionamento do cérebro, sobre como ser mais corajosa e resiliente, como lidar com meus medos, ansiedades, preocupações, angústias, perdas, dores, sofrimentos, tristezas, frustrações e muito mais.

Para escolher um audiobook que me acompanhará nas minhas madrugadas insones, mais importante do que o assunto é a narração do livro. A voz do homem ou da mulher que narra o livro tem que ser firme, agradável, doce, suave, sedutora. Não pode ser uma voz lenta e grave demais nem aguda, pretensiosa e ansiosa. Para mim, o pior pesadelo é ouvir o abuso irritante e desagradável do "a gente" e de outros vícios de linguagem.

Nos últimos dois anos, o audiobook tem sido um excelente companheiro na hora de dormir e também nas minhas caminhadas diárias. Ontem adormeci ouvindo um audiobook que está me ensinando que o cérebro é muito curioso e que ele adora aprender coisas novas, ler, sonhar, criar, dar risadas e brincar.

Muitos dizem que o livro morreu. A realidade prova o contrário. A venda de livros tem superado as expectativas do mercado editorial brasileiro: em 2020 foram vendidos 41,9 milhões de exemplares; em 2021 foram 55 milhões de livros.

Rubem Alves escreveu, na crônica "Sob o feitiço dos livros", que "nem só de beijos e transas viverá o amor, mas de toda palavra que sai da mão do escritor".

"O meu mundo seria muito pobre se em mim não estivessem os livros que li e amei... Os livros que amo não me deixam. Caminham comigo... Escrever e ler são formas de fazer amor".

Parafraseando meu cronista favorito, digo que nem só de beijos e transas vivem minhas madrugadas insones, mas de todos os livros que caminham comigo e que me fazem sonhar.

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