Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Descrição de chapéu Corpo

Estudantes que humilharam colega de 40 anos falam em brincadeira, mas velhofobia é crime

A violência física, verbal e psicológica contra os mais velhos está se disseminando nas redes sociais

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No meu novo livro "A Arte de Gozar: Amor, Sexo e Tesão na Maturidade", conto que, quando fiz 40 anos, fui comprar uma calça jeans de uma grife famosa e uma vendedora bem jovem me tratou com total desprezo. Ela me olhou dos pés à cabeça como se dissesse: "Você não se enxerga, sua velha ridícula? Não quero a etiqueta da minha loja desfilando na bunda murcha e caída de uma velha baranga".

Saí de lá arrasada, sentindo-me uma velha ridícula e baranga, apesar de só ter 40 anos. Como a jovem não percebeu que estava sendo cúmplice da violência que as mulheres sofrem? Como não enxergou que estava alimentando o preconceito contra ela mesma no futuro?

Alunas de uma universidade de Bauru debocham de colega de classe por ela ter 40 anos de idade
Alunas de uma universidade de Bauru debocham de colega de classe por ela ter 40 anos de idade - Reprodução Twitter

É a mesma pergunta que eu faço às três estudantes que fizeram um vídeo que viralizou nesta sexta (10) debochando de uma colega de classe por ter 40 anos. Será que elas ainda não perceberam que a jovem de hoje é a velha de amanhã?

No vídeo, uma das estudantes ironiza: "Gente, quiz do dia: como 'desmatricula' um colega de sala?".

Outra diz: "Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada".

"Realmente", fala uma terceira.

A jovem que grava o vídeo fala arrogantemente: "Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião".

Uma delas diz que a colega mais velha "não sabe o que é Google". E outra debocha: "Ela acha que Google é a professora".

A sobrinha da vítima fez uma postagem no Instagram criticando o trio e cobrando um posicionamento da universidade.

"Minha tia, de 40 anos, sempre batalhou trabalhando sem parar desde pequena com as irmãs, para ajudar a minha avó e cuidar dela. Ela sempre teve o sonho de estudar e nunca teve oportunidade. Hoje, ela conseguiu entrar em um curso que ela sempre quis e estava muito feliz e animada para começar as aulas, e daí surgem três meninas que só vivem na própria bolha, gravando vídeo zombando pela minha tia ser a mais velha da turma. Que tipo de tratativa vocês vão dar para essas alunas de vocês? Que tipo de profissional essas meninas vão ser? Fico indignada."


Estudantes de Bauru debocham de colega por ter 40 anos


Agora, as três alunas do curso de biomedicina da Unisagrado, instituição particular de Bauru (SP), dizem que estão arrependidas e afirmam que o vídeo foi uma "brincadeira de mau gosto".

"Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos."

Se o vídeo não tivesse viralizado e tomado uma proporção que elas não imaginavam, será que as três estariam tão arrependidas?

Segundo uma delas, a faculdade orientou as estudantes e "deu a oportunidade de recomeçar e amadurecer, mudar nossos pensamentos e perceber que comentários assim, sendo brincadeira ou não, são levados muito a sério".

Há muitos anos tenho denunciado nesta coluna a violência física, verbal e psicológica que mora dentro das nossas casas, famílias, trabalhos, escolas.

A velhofobia está se disseminando cada vez mais pelas redes sociais com discursos de ódio, intolerância e preconceito por meio de piadas e de "brincadeiras de mau gosto" —"velho é ridículo, velho é teimoso, velho é um fardo, velho é inútil, descartável e incapaz".

As casas brasileiras escondem uma brutal violência física, psicológica e verbal, abuso financeiro, negligência, falta de cuidados básicos de higiene e saúde, maus-tratos e abandono dos mais velhos.

As denúncias de violência contra os mais velhos pelo Disque 100 cresceram 500% nos primeiros meses da pandemia. Só no primeiro semestre de 2021, foram registrados mais de 33,6 mil casos de agressão.

A realidade é muito mais assustadora, pois a maioria dos velhos tem medo e vergonha de denunciar seus agressores. Em mais de 50% dos casos os agressores são os próprios filhos, em 10% dos casos são os netos, além dos cônjuges, genros e noras.

Não me canso de repetir: o jovem de hoje é o velho de amanhã.

Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice e, principalmente, lutar por uma sociedade com mais saúde, dignidade e autonomia para os nossos filhos e netos, os velhos de amanhã.

A reação indignada de milhares de homens e de mulheres, de todas as idades, ao vídeo da "brincadeira de mau gosto" das três estudantes é prova de que essa realidade criminosa está começando a mudar. Antes tarde do que nunca.

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