Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Deus me livre!', diz Ronnie Von sobre retomar a vida de cantor

Após 20 anos sem cantar, ele grava DVD de noite 'única' inspirada em ex-Beatle

Ronnie Von canta jazz para a gravação de um DVD em um estúdio em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Seu nome é anunciado no microfone. “Senhoras e senhores: Ronnie  Von!” Sorrindo, ele surge e desce a escada de corrimão dourado.

 
 

O pianista dá início a uma leve melodia. O baterista toca suavemente. Os convidados aplaudem —alguns gritam “Uhul!”. Ronnie se dirige ao palco e canta “Georgia  on  My  Mind”, já gravada por Ray Charles. 

 

Assim que termina a música, Ronnie fala à plateia de cerca de 80 pessoas reunidas ao redor do tablado montado em um duplex na rua Treze de Maio, no centro de SP, onde funciona um estúdio musical gerido por amigos seus. 

 

“Não canto há mais de 20 anos. Não quero mais a carreira de cantor. Isso aqui é um encontro eventual, por isso o nome ‘One Night Only’”, diz o músico e apresentador de 73 anos nascido em Niterói, referindo-se ao título daquele evento, que em português significa “uma única noite”.

 

A ocasião tinha como objetivo a gravação de um DVD em que Ronnie interpreta clássicos do jazz e do rock dos anos 1940, 1950 e 1960. 

 

A ideia daquela apresentação, explica Ronnie, surgiu quando ele e amigos assistiam ao vídeo de um show “que o Paul McCartney fez em um lugar pequeno, para amigos”. “Eles [amigos do Ronnie] diziam: ‘Você tem que retomar a carreira de músico. Eu falei: ‘Deus me livre!’. Se eu não canto nem mais no banheiro”, brinca o cantor. 

 

“Mas eles insistiram: ‘Isso aí você faria, né? Uma brincadeira, cantando músicas que você gostaria de ter feito’. Falei: ‘Legal, isso aí, sim.” 

 

“Dois dias depois eles estavam na minha casa com o grupo Três de Paus [banda que o acompanhou durante a gravação do DVD]”, conta. A proposta foi organizar um encontro íntimo. “Aqui só tem meus amigos e família.”

 

Antes de passar à música seguinte, Ronnie se declara à mulher, Maria Cristina, a Kika, sentada na primeira fileira.“Essa também é uma celebração do amor. Todas essas canções eu queria ter feito para a minha gordinha”, diz. “Óóun”, suspira o público. 

 

Ronnie conhece Kika desde que ela tem 11 anos --suas famílias eram amigas. “Ela foi criada como uma irmã”, lembra o cantor. “Um dia ela disse ao meu pai que era apaixonada por mim. E lembrava ele disso até virar adulta. Mas não me contava.”

 

E foi assim até que, quando se despediam em um hotel em Buenos Aires, os dois ficaram juntos. “Sou carioca e não perdi o costume de dar dois beijos [na bochecha]. O primeiro pegou na metade da boca, sem querer. O segundo foi logo no meio. Ai meu Deus. Rolei com ela ali mesmo.” 

 

Uma década mais jovem que o cantor, a paisagista se casou com ele naquele mesmo ano de 1986, quando tinha 31. O casal deu à luz o filho Leonardo. Antes, Ronnie já tinha passado por dois matrimônios —ele também é pai de Alessandra e Ronaldo, fruto da união com sua primeira mulher, a jornalista Aretuza. 

 

“O amor que tenho pela Kika é cada vez maior”, disse Ronnie ao repórter Bruno B. Soraggi —a coluna acompanhou a gravação do DVD, em novembro, e, depois, entrevistou o cantor em sua casa no Morumbi. “Na horizontal ainda somos dois adolescentes. E eu nem tomo o trovão azul!”, brinca, referindo-se ao Viagra. 

 

Um senhor se senta em uma cadeira em frente ao palco. “Você chegou atrasado, Manoel [Poladian, empresário de shows]”, brinca Ronnie com o amigo. 

 

“Vocês perceberam que eu errei a letra?”, pergunta o cantor ao terminar a canção “Night and Day”, que já foi gravada por Ella Fitzgerald. Ao que ele emenda “I Remember You”, já registrada por Chet Baker. 

 

O show segue com “Fly Me to the Moon”, “The Way You Look Tonight” e “It Had to Be You”, conhecidas na voz de Frank Sinatra, “When I Fall in Love”, que tem versão cantada por Nat King Cole, e outras músicas. 

 

“Acabou o repertório! E eu achei que com 15 músicas ia ser muito longo!”, diz Ronnie. Da plateia, alguém pede que ele cante “A Máquina Voadora”, faixa de seu disco de rock homônimo lançado em 1970. Mas ele dá início a “You’ve Got to Hide Your Love Away”, dos Beatles.

 

“Espera aí! Todo mundo me falou que ele estava aqui e eu não o vi até agora. Um ‘brother’ meu, amado irmão. João Gordo. Ele está aqui?” 

 
 

Ao lado da mulher Vivi Torrico e seus dois filhos, o vocalista da banda Ratos de Porão grita do público: “Tá legal pra caramba!”

 

“Eu amo você!”, devolve Ronnie a João. “Você é o melhor pai de família que eu conheci. Melhor marido que existe. Um ser humano de primeiríssima grandeza”, diz o também empresário dono de uma agência de propaganda. 

 

Eles se conheceram durante uma entrevista que Ronnie deu ao programa que João Gordo apresentava na MTV. “Comecei a me afeiçoar a ele. Pela visão que ele tem da vida”, diz o cantor. 

 

“O João coleciona bonequinhos. E o sonho dele era ter um do Ronnie  Von [brinquedo lançado nos anos 1960]. Falei: ‘Tenho dois. Vou te dar um’. Bicho, você precisava ver a alegria que ele ficou!”, lembra. 

 

Ronnie também é amigo de outro João. “Um cara passado a ferro, engomado. Como eu”, compara o cantor. Trata-se do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB)

 

“Não queria que o João se envolvesse com política. Fiz de tudo para ele desistir dessa ideia. Mas ele tem uma determinação que dá medo. Quando ele quer, sai debaixo”, conta o músico sobre Doria, para quem ele já reclamou “da buraqueira que tem em São Paulo”. 

 

Sobre 2018, Ronnie diz “não saber para onde a gente vai”. “Só não gostaria que partíssemos para a radicalização”, diz. “Essa polarização, que é burra, não deveria acontecer. Isso não vai levar a lugar nenhum”, avalia. 

 

“Tem uns animais de direita, uns imbecis de esquerda... Tem que pegar o cara da direita, o da esquerda, o de cima e o de baixo e ver as boas ideias que eles têm. O equilíbrio é algo que precisava ter.” 

 

“Por exemplo... Eu adoro vinhos. E existem tipos de uva que falam: ‘Ah, essa uva não presta! Aquela uva ali é que é legal’. Mas a mistura de uma e da outra dá um ‘blend’ maravilhoso! Tenho essa visão”, diz Ronnie enquanto toma água com gás sentado no sofá de sua casa. 

 

Apelidado de Príncipe por Hebe Camargo, ele desistiu de dissociar sua imagem da Jovem Guarda. “Não consegui demover a opinião pública em 51 anos de estrada, não vai ser amanhã que vou conseguir. Nunca fui da Jovem Guarda. Não tinha nada a ver. Mas o rótulo ficou porque surgi na mesma época.”

 
O cantor Ronnie Von visita o jornal "Última Hora", em novembro de 1967 - Acervo UH/Folhapress

​​O show avança e Ronnie canta seu hit “Meu Bem”. A plateia ri quando ele finge jogar o cabelo para trás, como fazia na juventude. “Que coisa divertida. Quando a gente não está cantando profissionalmente é tão melhor. É tanto carinho!”, diz Ronnie. 

 

Às 22h30, a apresentação termina e Ronnie começa a agradecer a presença de todos. “Jorge Pagura, meu irmão! O melhor baterista e o maior neurocirurgião do mundo!”, diz ao médico que tocou no grupo Os Baobás. Aos 33 anos, Ronnie teve uma grave inflamação no sistema nervoso que causava dores e o deixou paralítico por um ano —ele já disse ter pensado em eutanásia na época. 

 

“Antonio Carlos Nascimento! Ele é meu endocrinologista, está me emagrecendo. Estou usando terno ‘slim’ hoje!”, brinca. “Por que você se esconde, Renatinho? Esse talvez seja o maior maestro do planeta!”, afirma, apontando para Renato Misiuk, regente do grupo de casamentos Allegro Coral e Orquestra. “E a mulher dele é tão linda! Vai pra casa, Renatinho!”. 

 

Uma fila se forma para falar com Ronnie após o show. Nela está o jornalista Bruno Bertan, 31, que trouxe consigo dois LPs de rock psicodélico gravados pelo cantor no fim dos anos 1960. Ele saiu de lá com a dedicatória “Meu carinho com psicodelia”. 

 

“Achei maravilhoso. Fazia tempo que ele não cantava, e saiu perfeito!”, disse sobre o show o músico Caçulinha, que trabalha no programa “Todo Seu”, apresentado por Ronnie na TV Gazeta. 

 

O DVD deve deve ser lançado em março e terá a renda obtida com sua venda revertida para o Graacc, entidade dedicada ao tratamento de câncer, e à Associação Cruz Verde, de amparo a crianças com paralisia cerebral.

 

Subindo a escada rumo à saída, o cantor se despede de quem encontra pelo caminho, reafirmando que não vai retomar a carreira de cantor. Sua noite de príncipe chegou ao fim. “Foi divertido”, diz Ronnie Von. 

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que foi informado antes, a música "Georgia  on  My  Mind" é de autoria de Stuart  Gorrell e Hoagy  Carmichael. Ray Charles é o intérprete de uma versão da canção. O texto foi corrigido. 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.