Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Não perceberam que o teatro está morrendo, diz Antonio Fagundes

O ator é crítico das leis de incentivo cultural no Brasil

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A entrevista já acabou, mas, enquanto se prepara para a sessão de fotos, Antonio Fagundes retoma um dos assuntos de que mais tem falado: a política de incentivo cultural no Brasil, da qual o ator de 68 anos é crítico.

 

“É gozado essa coisa do patrocínio”, diz. “As pessoas [do cenário artístico] não perceberam, é uma pena. Venho falando isso há muito tempo, mas eles não perceberam que estão morrendo. O teatro está morrendo.”

 

Ele não inscreve suas peças em leis de incentivo, como a Rouanet. Argumenta que o patrocínio estimula espetáculos com temporadas curtas: “Se ele [o ator ou produtor] vive só do patrocínio, a bilheteria não interessa mais”. Afirma também que a política faz proliferarem salas de teatro com lotação baixa: “Se você abrir os guias de teatro, vai ver que só 10% têm mais de cem lugares”.

 

“Essas salinhas, com a ausência de patrocínio, podem fechar todas. Acabar. Então, essa turma aí que tá reclamando, [dizendo] ‘Como que eu faço, eu que tô começando?’, que vai pra essas salinhas… Se fodeu.”

 

“Porque também não aprendeu nada”, continua. “Só aprendeu a captar [recursos]. Não aprendeu com o público dele, não aprendeu com o exercício dele, não aprendeu com as coisas que fez. Não aprendeu que ele tá diminuindo cada vez mais, ao contrário de estar se comunicando. Não aprendeu que não pode cobrar R$ 5 pelo ingresso. Custa caro [fazer um espetáculo]!”, diz ao repórter João Carneiro antes de uma sessão da peça “Baixa Terapia”, em cartaz no Tuca, em SP, com ingressos a R$ 100.

 

Mais de 90 mil pessoas já assistiram à montagem, que estreou em março de 2017 e “tem pelo menos um ano até parar de lotar”, estima Fagundes. A temporada atual vai até 19 de abril, e a companhia tem a intenção de viajar por “pelo menos 15 ou 20 cidades” do Brasil, antes de ir ao exterior —Portugal e Estados Unidos estão no radar. Depois, ainda pode voltar a São Paulo.

 

“Baixa Terapia” é uma comédia em que três casais se encontram em uma sessão de análise. Mas a psicóloga não está —em vez de comparecer, ela deixou uma série de instruções para que os pacientes discutam seus problemas entre si. O público gargalha durante toda a sessão, até que uma revelação dá um tom sombrio à trama em seus momentos finais. A reviravolta, define ele, é um momento de “teatro na veia”.

 

Mara Carvalho, ex-mulher de Fagundes, faz par romântico com ele no palco. A atual mulher do ator, Alexandra Martins, interpreta a namorada do personagem de Bruno Fagundes, que é filho de Antonio e Mara. Outra ex-mulher de Fagundes, Clarisse Abujamra, fez a tradução do roteiro.

 

“É harmonia”, comenta ele sobre a reunião da família na produção. “Talvez a gente tenha aberto uma discussão mais democrática na época em que se conheceu, na hora em que se separou”, diz, e depois conclui: “É simples. Não tem nada de terrível com o que nós estamos fazendo. Tem com a incapacidade das pessoas de fazerem isso, né?”.

 

Ao fim do espetáculo, Fagundes anuncia que a peça “não tem parceria de ninguém, nem do Estado, nem de empresa”. O público aplaude com entusiasmo.

 

Ele, porém, não se alinha àqueles detratores das leis de incentivo que afirmam que os artistas que se beneficiam delas são “vagabundos”: “Isso aí veio dos ‘haters’, que são aqueles que não sabem nada e odeiam tudo”, declara.

 

“Se tem uma classe trabalhadora nesse país, eu diria que é a classe artística. [São] eternamente desempregados e têm que trabalhar duro pra continuar por aí. Chamar de vagabundo é desconhecimento. E um certo ressentimento de informações mal assimiladas. Quando você ouve falar em milhões que são empregados para fazer uma peça, acha que o cara tá roubando aquele dinheiro, e não é verdade.”

 

“Eu acho, sim, que o Estado tem a obrigação de cuidar da cultura. O que acho é que talvez não seja essa [lei de incentivo] a melhor forma. Talvez, se a gente não deixasse os teatros das periferias sucateados, equipasse boas salas e oferecesse aluguel barato, divulgação em massa… Talvez a gente não precisasse gastar tanto e o resultado fosse melhor.”

 

Apesar das críticas que faz à política cultural, Fagundes diz não acreditar ser visto como “traidor de classe” pelos colegas. “Eu não tô incomodando ninguém a não ser com o meu sucesso. O sucesso às vezes incomoda um pouquinho. Mas, fora isso, eu não estou tirando dinheiro de ninguém, tirando espaço de ninguém, não tô provocando ninguém. Não sou contra nenhum tipo de teatro.”

 

Ele faz questão de realizar sessões de bate-papo com o público após suas peças —em “Baixa Terapia”, o elenco conversa com os espectadores por cerca de 20 minutos. “Eu trabalho com isso, com comunicação. Não me interessa fazer um espetáculo em que as pessoas saiam do teatro e esqueçam cinco minutos depois. Ou que saiam sem ter entendido nada do que eu falei”, comenta.

 

O assédio sexual é um dos temas que vêm à tona na peça. Sobre o atual debate em torno do assunto, ele pondera: “A gente tem que tomar cuidado com as palavras de ordem, né? É sempre uma coisa muito ruim, que você segue e para de pensar sobre aquilo”.

 

“A palavra de ordem acaba com o debate público. E o debate público é que é interessante. É interessante ouvir opiniões a favor, opiniões contra, ouvir aqueles que estão em dúvida. É interessante que você possa discutir abertamente. Quando você, numa discussão, se depara com uma palavra de ordem, o debate público está eliminado.”

 

Ele já apoiou o PT, mas afirma agora que não vota mais no partido. E diz que se viu “órfão” com a condenação do ex-presidente Lula. “Somos todos órfãos de um ideal, uma ética, um programa cheio de honestidade, de um país que caminhasse rumo à educação. Órfãos de liberdade de imprensa. De tudo aquilo que a gente percebeu que foi prometido e foi literalmente roubado”, afirma.

 

“Essa eleição [de 2018] vai ser complicada. Não parece ter mudado nada e é exatamente o momento em que as coisas precisavam mudar. [Não tenho] nenhuma [intenção de voto]. Estou pensando seriamente no que faço. Quem sabe eu viaje… Vai ser uma boa!”, diz, rindo.

 

Comenta também a disputa entre Silvio Santos e o Teatro Oficina, de Zé Celso —o apresentador quer construir torres no terreno que tem ao lado edifício do teatro, que é tombado, mas o grupo se opõe. “É uma briga de cachorro grande: o Silvio quer construir um monte de coisa no entorno mas aquele teatrinho tá atrapalhando. E o Zé Celso quer usar todo o entorno pro teatrinho dele. Os dois estão errados!”, afirma.

 

“Tem uma frase fantástica: ‘A verdade tem três lados. O que um acha que aconteceu, o que o outro acha que aconteceu e o que aconteceu’. É sempre assim, com tudo!”

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