Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Mônica Bergamo

Uma fábrica de loucos

A filosofia de Cláudia Leitte e o choro de Preta Gil no Carnaval de Salvador

No caminho das pedras. Enrolada num roupão, Claudia Leitte equilibra-se em cima de um salto alto e pisa com firmeza no assoalho escorregadio afixado no gramado da sua casa, em Salvador. Entra numa van e inicia o trajeto de 20 km até o Farol da Barra, onde fará o desfile abertura do Carnaval.

 

No caminho, enquanto faz o seu aquecimento vocal com ajuda de um aplicativo de celular, alterna expressões em português e em inglês. Holy shit, encerra um exercício. Thank you, God, encerra todos eles. Pede uma caixa de som portátil e coloca para tocar sua playlist pessoal.

 

A voz de IZA ecoa das caixas com a música Pesadão. Claudia acompanha a letra na tela do celular e canta. Vai Malandra, de Anitta, toca na sequência, seguido do hit Mi Gente, de J. Balvin, com Will Willian e Beyoncé. Eis que surge a voz de Daniela Mercury, com Banzeiro e nos lembra que estamos no Carnaval.

 

Nos últimos seis meses, Claudia atacou em várias frentes. Foi de reggaeton com Baldin de Gelo, flertou com o pop sertanejo com Lacradora, parceria com Maiara e Maraísa, foi até o funk com Bela do Baile, pareceria com Durval Lellys, até chegar à recém-lançada Carnaval, que mistura inglês e espanhol em parceria com o rapper Pitbull.

 

Vamos filosofar, que eu sou de humanas: quando a música é massa, toca as pessoas, faz sorrir, chorar, dançar, ninguém impede. A música não cria barreiras, a gente é quem as cria, diz Claudia ao repórter João Pedro Pitombo. Ela diz que não vê problema em cantar em outros idiomas em pleno Carnaval da Bahia.

 

A Parceria com Pitbull, diz, foi firmada sobre essas bases. Você acha que eu que tive a ideia de trazê-lo? Foi o contrário. Fui assistir a uns shows dele, começamos a trocar músicas e eu mostrei o trio elétrico. E ele: Mama, eu quero. E a gente esquematizou. Mas foi natural, foi rolando.

 

Pitbull enfrentou um voo de mais de 30 horas de Cingapura para o Brasil. Mas no primeiro dia de Carnaval, ficou querendo. Depois de sentir um mal estar em São Paulo, atrasou o voo para Salvador. O trio não esperou. E Claudia comandou sozinha o abre alas da festa baiana.

 

Na Barra, Claudia Leitte canta os primeiros acordes, o prefeito ACM Neto (DEM) entrega as chaves da cidade ao Rei Momo na varanda do camarote Expresso 2222. Convidado para a cerimônia, o governador Rui Costa (PT) não deu as caras. Ambos vão se enfrentar nas urnas pelo governo da Bahia em outubro.

 

Mais do que os petistas, os artistas é que deram trabalho ao prefeito nas vésperas da folia. Em uma campanha nas redes sociais, cobraram direitos autorais da prefeitura por festas como o Carnaval. O caso está judicializado, mas a prefeitura colocou uma proposta da mesa: pagar ao Ecad o equivalente a 5% dos cachês dos artistas. Este ano, foram gastos R$ 5 milhões em atrações para os trios.

 

Na linha de frente dos protestos de artistas e compositores, a produtora Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso, ganhou a alcunha de líder da oposição entre auxiliares do prefeito. O desgaste provocado ao tocar num tema sensível, dizem, foi maior do que de qualquer embate com PT e PCdoB. ACM Neto contemporiza: Paula está no papel dela, eu respeito.

 

No Expresso 2222, Preta Gil está visivelmente tensa. Ainda nem havia terminado de se produzir, mas fez questão de enfrentar um corredor de gente para dar as boas vindas ao Rei Momo. No 20º do camarote mais tradicional de Salvador, Preta fez sua estreia como anfitriã do espaço, que recebe até 5 mil pessoas até o ano passado a festa era comandada por Flora Gil, a mulher de Gilberto Gil.

 

Meia hora depois, Preta volta ao camarote já produzida. Posa para fotos e dá entrevistas com o sorriso aberto. Mas quando vê Flora cruzar o salão, desmonta. Lágrimas escorrem do rosto de Preta ao abraçar a madrasta.

 

Flora explica a emoção: Preta nasceu aqui dentro. Ela, todos os irmãos, eu e [Gilberto] Gil construímos isso juntos, cada um dava um pitaco. No começo era muito pequeno: era Gil com os filhos, Caetano [Veloso] com os filhos. Trazíamos vasilhas com a comida de casa.

 

Este ano, o camarote que era só para convidados abriu para o público, mas de forma restrita: foram vendidas cerca de mil camisas para cinco dias de festa. O modelo deve permanecer nos próximos anos: Queremos manter a essência, diz Preta.

 

Enquanto isso, os convidados aglomeravam-se no salão e nas sacadas que dão vista para os trios no Farol da Barra. E a festa estava só começando. Diz Flora: Isso aqui é uma fábrica de fazer loucos, sai louco para todos os lugares.

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