Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Elza Soares diz que sempre foi sua própria Lei Maria da Penha

Cantora lançará em maio o álbum "Deus É Mulher"

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O assassinato a tiros da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) horrorizou Elza Soares, 80, na noite de quarta (14).

Os médicos que a atenderam depois do susto garantiram que tudo estava bem, mas a cantora ficou em repouso no dia seguinte, cancelando as entrevistas que havia programado.

De casa, Elza mandou uma mensagem: “Eu sempre cantei que a carne mais barata do mercado era a carne negra. De uns tempos pra cá, como em um sonho, eu canto que a carne mais barata do mercado foi a carne negra, porque é o que eu quero que aconteça”.

“Desde ontem [dia da morte de Marielle], eu falo que houve uma promoção no mercado de carnes, e a carne mais barata do mercado não é mais só a negra. É a da mulher negra. É a que vai de graça para o presídio, a que apanha, morre na esquina, a que é covardemente ceifada”, disse.

As bandeiras das mulheres e dos movimentos negro e LGBT entraram com toda a força no disco mais recente de Elza, “A Mulher do Fim do Mundo”, de 2015. O próximo, “Deus É Mulher”, que será lançado em maio, continua no mesmo tom, sublinhando ainda mais a pauta feminista.

“Eu quero dar pra você / Mas eu não quero dizer / Você precisa saber / Ler”, canta ela em uma das músicas, de Romulo Fróes e Alice Coutinho. “Minha lagoa engolindo a tua boca / Eu vou pingar em quem até já me cuspiu”, diz outra letra, escrita por Tulipa Ruiz.

As 11 canções de “Deus É Mulher” foram escolhidas por Elza e Guilherme Kastrup, produtor do disco que fez um chamado para que artistas enviassem suas composições. Ele recebeu mais de 60 letras.

Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Elza passava pelo Red Bull Studio, em São Paulo, para as últimas gravações do álbum. Na ocasião, concedeu ao repórter João Carneiro esta entrevista:

DEUS É MULHER

Lógico [que acredito em Deus]. Tanto acredito que digo que Deus é mulher.

A mulher pra parir, pra gerar, pra sofrer, botar homem no mundo. Entendeu? Se não fosse a mulher, como é que seria o homem?

 

A mulher é como o sal. Ninguém presta atenção, mas, se faltar… fica aguado.

 

[A bandeira feminista] traz força para a minha música. É aquele negócio: não estou gritando sozinha, tem alguém gritando comigo também.

 

Eu me lembro da minha mãe [a lavadeira Rosária]. Ela sofreu muito para criar a gente. Nascer mulher, negra e pobre neste país maravilhoso é uma luta. Tem que enfrentar um leão todo dia, toda hora.

 

[Antes] a mulher não tinha pra onde correr [se fosse agredida]. Se fosse delatar o acontecido, ficava com medo. Porque depois tinha que voltar pra casa e viver um drama com aquele homem. Acho que a Lei Maria da Penha deu um pouco de segurança.

 

Eu fui a Maria da Penha pra mim, sempre. Eu não saio correndo pra buscar [ajuda de outros]. Eu me defendo bem.

 

É difícil [acabar com o machismo]. Mas eu acho que cabe mais ao homem falar [sobre as soluções]. Quando o homem começar a reconhecer esse lado, que tem que ser menos egoísta, não sei, mais passivo... a coisa melhora.

O INÍCIO

Muita coisa [me atraiu na música]. Meu pai [Avelino] era músico, cantava o tempo todo. E a gente, criança, já acompanhava aquilo. Mas a necessidade de ganhar um dinheiro foi o que me levou pra música mesmo, para o programa de calouros do Ary Barroso [no qual Elza ficou conhecida].

Eu não sabia se meu filho [Raimundinho, que estava doente] ia viver ou se ia morrer. E não tinha como ganhar dinheiro [Raimundinho morreria pouco depois. Elza deu à luz sete filhos, dos quais apenas quatro estão vivos].

Eu fui lá e ganhei a nota 5. E falei: ‘Genteee! Tamo aí, vam’bora!’.

 

Eu tinha ficado viúva muito criança [aos 21 anos]. Fui cantar. Era aquela coisa de  que mulher que saía à meia-noite para a rua era prostituta. Cantar, então… Como é que a mulher vai sair de casa pra cantar? Ficou maluca, diabo?

Chega lá, vem um homem sorrindo pra sua cara. Meu Deus, o que eu faço com esse homem me olhando o tempo todo, com flores? [Referindo-se a Lupicínio Rodrigues, que a procurou numa boate para agradecer pelo sucesso de “Se Acaso Você Chegasse”, composição dele e de Felisberto Martins que Elza cantava].

[Tive receio porque] era muito jovem, viúva. Com filho. Imagina se arrumo um namorado. Mais filhos. Entendeu? Na época a gente não sabia de nada. Então pensei: não quero homem, filho, mais nada. Chega!

 

O que me manteve na música foi você [meu público].

Vocês me fizeram acreditar. Então eu acredito. Além de ter a música como adoração, como uma prece, como uma reza, tenho vocês do outro lado, me incentivando, me empurrando: ‘Vai!’.

Me deixem cantar até o fim. Vocês me deixam cantar até o fim. É muito bom isso.

AGORA

[Meu público hoje é] uma garotada. A gente vem fazendo uma mudança muito grande, que se concretizou em “A Mulher do Fim do Mundo”, trabalhando com esses artistas maravilhosos.

Isso vai te levando cada vez mais ao tapete vermelho. pisando no tapete vermelho.

Tenho uma certeza: já nasci coroada. A lata d’água na cabeça é uma coroa. Porque toda coroa leva um pouco de lata. Então a minha coroa já foi desde criança. Eu cantava, dançava [carregando latas d’água]. Já nasci coroada.

 

Hoje eu vivo muito feliz. Tenho essa produção toda, uma gravadora, essa garotada e dois empresários maravilhosos. Eu sofri muito na mão de empresário.

A gente lutou, pagando dívida, pagando passagem, foi difícil, um rolo danado. A gente conseguiu fazer uma boa virada. Então, tô tranquila. 

Que que eu quero mais? Cantar, ser feliz.

 

Me sinto respeitada. Mas se eu começar a dizer “Sou uma estrela”, paro de cantar. Tem que polir a estrela toda hora.

 

Nada mais justo e nada melhor do que você ser simples. Não digo simplório. Mas que você seja simples sabido. Sabendo por que você é simples. 

Em qualquer lugar que passo, eu peço licença. Saber pedir licença, saber pisar, saber chegar. É muito importante isso. Não me julgo maior do que ninguém porque canto. Cozinho bem à beça também.

 

Eu canto para não enlouquecer. A música ainda é remédio bom. Sempre digo que a música é uma medicina incrível. Como ela cura, meu Deus do céu! Sedativo da dor.

Tô acordada pra vida. Não sei [como consigo manter o ritmo]. Sei que eu tô em pé.

 

Hoje meu amor está na música, nos meus amigos, nos meus filhos. O amor existe de todo jeito. Eu me amo pra chuchu, tô me amando cada vez mais. Tô sendo egoísta demais, não sei dividir isso com ninguém. Não é ótimo isso?

O AMANHÃ

Eu sonho muito. Seria ótimo que um filho voltasse da escola e dissesse: ‘Mãe, que maravilha! A professora veio, a merenda tava lá, não roubaram a merenda da escola, que coisa maravilhosa!’. Até isso eles fazem: roubam a merenda das escolas. 

Disso eu tenho esperança. Uma criança dizer que tinha merenda lá. Coisa boa, né?

 

Sou orgulhosa de ser brasileira. Fico triste [com o momento atual do país]. O Brasil não merece passar por isso. Isso tudo não passa de uma… Ah, não sei não, acredito até que seja uma coisa combinada para maltratar o país. Uma coisa bem traçada.

Agora, como acredito no povo, acho que a voz do povo é a voz de Deus, é a voz da razão… Se o povo quiser, ele vira isso de cabeça pra baixo e acabou tudo.

Olha, eu pretendo descansar [nas eleições deste ano]. Mas aconselho as pessoas: vão lá e votem, por favor! Não tem candidato, né?

 

[Ainda vivo] no “planeta fome” [como disse no programa de Ary Barroso em 1953]. Ainda tem fome. Tem fome de tudo. De educação, de saúde, de governo. 

BALANÇO

O lado bom [é o que mais me marcou na vida]. Não quero falar do lado negativo. As coisas boas que conquistei, isso é muito importante. Você saber valorizar também as coisas boas. 

Não é só ficar falando que sofreu. Não, tive muita coisa boa na vida! Eu sou uma vitoriosa. Isso pra mim é muito bom. Sou uma vitoriosa!

 

Seja sempre agora, viu? 

My name is now. Eu sou o agora. Amanhã não sei, ontem já foi. Tô sabendo agora. Tô com você, tô aqui. Olha que coisa maravilhosa!

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