Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Tom Zé é um medroso e não fala mais de política', diz o músico baiano

Ele afirma que 'ficou covarde' depois de ter sido atacado na internet por músicas contra Temer

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Neusa chorava de desespero em frente ao computador quando Tom Zé entrou na sala de seu apartamento em um dia de fevereiro de 2017. A mulher do músico lia as cerca de 3 milhões de mensagens de ódio endereçadas a ele. “Era como se a porta estivesse cheia de gente para jogar pedra em mim”, diz Tom Zé.

 

Na época, ele fazia músicas contra o governo Temer, como a canção “Fora Temer”, com os versos: “Sem temer, fora fora Temer”. “Quase toda semana eu lançava uma na internet. Contra atitudes que o Temer tomava, [contra] o juiz que ele botou no tribunal [STF]”, diz.

 

“Aí, o covarde entrou em cena. Pode dizer isso, se você quiser, porque não tem outro jeito. Tom Zé é um covarde!”, afirma o músico para a repórter Bruna Narcizo.

 

Nesse momento, Neusa interrompe a entrevista, que acontece na sala do apartamento do casal, em São Paulo: “O Tom Zé não tem um grupo de apoiadores tão forte assim, ?! Aí, ele resolveu ficar na dele. Esse é o único marido que eu tenho. Acho que tenho mais é que protegê-lo”, diz ela.

 

O baiano continua: “Tem o exemplo do Chico Buarque e do Caetano [que se posicionam politicamente]. Mas minha mulher não é de família de advogado [como o sogro de Caetano], que me defende. Não posso nem andar com guarda-costas na rua”.

 

“Ô meu amor. Vou lhe confessar uma coisa. Bote: ‘Tom Zé é um medroso e não fala mais de política’”, diz ele, encerrando o assunto.

 

Aos 81 anos, Tom Zé atribui sua vivacidade e longevidade ao fato de ter nascido “cheio de doença”. “Quem me disse isso foram os psicanalistas, de quem eu precisei durante 30 anos. Continuo fazendo [autoterapia] diariamente e me esforçando para ser o substituto do psicanalista.”

 

Nascido em Irará, cidade do sertão baiano, o músico diz que sempre sofreu de complexo de inferioridade. “Eu era acanhamento puro. Considerado, por todos da minha família, como o delinquente que não ia se salvar”.

 

Foi a falta de jeito com as meninas que o tornou um leitor voraz, diz ele. “Era um fracasso, uma angústia eterna. De vez em quando, eu saía do clube e ia para casa ler.”

 

“Eu era um complexo de inferioridade para todos os lugares que ia. Queria fazer alguma coisa para que as pessoas pudessem me considerar gente. Porque nem eu me considerava gente. Em Irará mesmo comecei a fazer música, com 15 anos.”

 

Da segunda geração de estudantes da família, algo raro em sua cidade, Tom Zé foi morar com os tios em Salvador para fazer o ginásio. “Meu avô era um louco. Minhas tias foram estudar nos anos 1930. O que tinha na cabeça de meu avô Pompilho?.”

 

Depois de formado, voltou para sua cidade e montou uma loja com o marido de sua irmã mais velha. “Mas minha tia Gilca, mulher de tio Fernando, que era deputado, disse: ‘Você é artista, não pode ficar aqui’. Aí, ela falou com minha irmã, que cedeu. Na verdade, ela disse que eu tava fumando droga em Irará. Só um argumento desse pra [a irmã] Margarida deixar eu sair de lá.”

 

De volta à capital baiana, ele passou em primeiro lugar no curso de música da Universidade Federal da Bahia. “Fazer universidade pós-moderna, pra uma pessoa que vinha do sertão, foi um salto tão grande! E foi uma faculdade maravilhosa pra mim e para todos os outros tropicalistas.”

 

Foram Caetano Veloso e Gilberto Gil, seus parceiros tropicalistas, que o chamaram para morar em São Paulo. “Apesar do folclore do Rio de Janeiro, eles vieram propositalmente para cá. Então, eu vim também. Quando fizeram a Tropicália, tornaram-se famosos e foram para o Rio. Eu não podia ir porque não tinha cacife pra mudar. A Neusa trabalhava na biblioteca do Sesi aqui, e a gente sustentava a família juntos. Não dava para virar apenas artista.”

 

Mas, depois de lançar o disco “Todos os Olhos”, em 1973, Tom Zé diz que a mídia o esqueceu. “Neusa podia botar mais dinheiro em casa do que eu. Chegaram a pensar que eu tinha morrido.”

 

“Mas ainda tive uma decepção muito grande. Foi depois de um show horrível, cheguei em casa chorando e disse para Neusa que não queria mais. Ia trabalhar em um posto de gasolina de um sobrinho em Irará. Em Feira de Santana, cidade vizinha, tinha uma unidade do Sesi e ela ia se transferir pra lá.”

 

Foi quando sua carreira deu uma virada. Tom Zé diz que tomou conhecimento de uma entrevista com o músico americano David Byrne para o repórter Matinas Suzuki, na Folha, em seu apartamento de Nova York. “Ele escreveu que tinha um bilhete em cima da mesa escrito ‘no Brasil, procurar Tom Zé’”, diz. “Quando leu, Neusa passou do banheiro pro nosso quarto gritando como uma índia. Ela repetia assim: ‘Esse povo, quando fala, sabe do que falando’.”

 

Byrne e Tom Zé se conheceram em São Paulo no final da década de 1980, e o americano lançou um disco do baiano no exterior. “Aí eu comecei a trabalhar, fazer discos e, quando estourou lá fora, comecei a ser chamado aqui. Comecei a trabalhar.”

 

De lá para cá, foram mais de 20 discos lançados.“Nunca fiz um disco que me botasse no céu. Que eu dissesse: ‘Agora eu posso descansar’. Tenho cem pensamentos para botar num disco. Quando termino, só botei 60. Então, sempre tenho material para um trabalho novo.”

 

“Trabalho umas 12 horas por dia. Os discos que eu faço são resultado de muito trabalho. Eu não tenho inspiração. Tenho 98% de ‘suação’ e 2% de inspiração”, diz ele, que virou tema de uma exposição em homenagem aos seus 80 anos, em cartaz até o dia 20 de maio na Caixa Cultural, em São Paulo. 

 

Na contramão da indústria fonográfica, Tom Zé diz que continua vendendo muito disco. “Muita gente não ganha mais dinheiro com a venda de disco, mas nós ainda ganhamos. Não sou muito pirateado e vendemos muito disco em nossos shows.”

 

Tom Zé também cumpre uma rotina diária. “Tomo café por volta das 3h da manhã, almoço às 10h e janto às 15h. Velho não dorme bem quando come à noite. Ainda faço hidroterapia na terça e na quinta, tai chi nas segundas, quartas e sextas. Vou dormir às 21h. A não ser quando tem futebol, que durmo à meia-noite. Torço para todos os times de São Paulo, mas profissionalmente sou Corinthians.”

 

“Ah, querida, sou vaidoso. Eu digo assim: ‘Deus às vezes dá beleza, mas às vezes dá uma coisa pequenininha que a gente tem que cuidar e manter em forma. Não tenho [medo da morte]. Li que a gente vai se integrar ao todo [quando morrer]. Não é um desaparecimento.”

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