Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Política com violência é guerra, diz Pedro Bial, que critica debate na internet 

Para ele, intervenção militar no Rio de Janeiro é "muito menos que suficiente, porém necessária"

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Pedro Bial tem um lema como entrevistador: “Não faça entrevistas”.


Ele mostra a frase no celular, destacada em amarelo num livro digital do apresentador americano Dick Cavett, logo antes de uma gravação de Conversa com Bial, talk show que comanda na Globo.


E explica ao repórter João Carneiro que, em vez de entrevistas, prefere conduzir conversas, deixando de lado o roteiro. “Às vezes consigo, às vezes não”, diz o jornalista, que estreia nesta segunda (2) a nova temporada de seu programa.


"Conversa com Bial" substituiu na grade da Globo, em 2017, o talk show de Jô Soares, que havia ficado no ar por 16 anos. É transmitido em cinco noites por semana. Neste ano, terá entrevistados como Paulo Coelho, o ilustrador Robert Crumb e o jornalista e escritor Gay Talese —Bial viajou pela Europa e Estados Unidos para gravar as conversas.


“Nós procuramos gente que esteja pensando os grandes temas contemporâneos fora da simplificação que tantas vezes domina o debate hoje em dia. Gente que pensa com independência”, diz o apresentador sobre a escolha dos convidados.


A conversa, diz Bial, é uma “tábua de salvação” numa época em que as redes sociais se tornaram “uma distopia, onde há ódio, intolerância, as bolhas se distanciando, todo mundo ficando cada vez mais isolado”. Esse cenário, afirma, fez a televisão ganhar “uma importância renovada”.


“O debate na internet mal pode ser chamado de debate”, continua. “Na maioria das vezes, é travado entre anônimos, numa sucessão de monólogos. E, como já disse alguém, as testemunhas inibem as perversões. Na internet, não há testemunhas e as perversões comem soltas. Na televisão, o cara tá ali diante de milhões de testemunhas. Isso já civiliza o debate de alguma maneira. Eu entendo que o Conversa [com Bial] tem essa possibilidade.”


Exemplifica: no ano passado, o talk show recebeu a diretora Daniela Thomas ao lado de críticos de seu filme “Vazante”, objeto de polêmica pela maneira como retrata personagens negros. “As pessoas expuseram seus pontos de vista e até saíram daquele lugar [de conflito] para um outro. Quando eu puder fazer isso, vou fazer.”


O momento brasileiro, diz Bial, é preocupante, e os tiros que atingiram dois ônibus da caravana do ex-presidente Lula na última terça (26) são “sem dúvida” um sinal de que o país vive tempos violentos. “Quando a política recorre à violência, não é mais política, é guerra. A política é justamente uma maneira em que os seres humanos se entenderam para que não fossem à guerra.”


Ainda assim, a democracia brasileira tem os “sinais vitais preservados”, diz. “A democracia é uma bagunça por natureza, é a administração diária de conflitos. Já a saúde institucional brasileira está febril, com sintomas de temperatura alta. Ainda não vivemos uma crise institucional, mas uma gripe forte. Mas até isso a democracia tem que comportar.”


Nascido no Rio de Janeiro, ele considera que a intervenção militar na cidade é “muito menos que suficiente, porém necessária”, mas não pode “ser interpretada como um ataque às favelas, que trazem coisas fundamentais para o Rio e o Brasil”.


“Não gosto de repetir clichês ou slogans, mas eu concordo com essa espécie de palavra de ordem: ‘Favela não é problema, é solução’. Acho que ali tem gente muito bacana, a maioria”, afirma, emendando que a vereadora Marielle Franco “é um exemplo disso”, embora não tenha “afinidades ideológicas com o partido dela, muito pelo contrário”.


Ele prefere não afirmar sua posição política para “deixar os canais abertos para receber todo mundo [no programa]”. “Eu prefiro a confusão. Nesse sentido é [como dizia] Chacrinha: prefiro confundir do que explicar”, diz.


Na Globo há quase 40 anos, Bial afirma que a emissora “fortalece a democracia brasileira”. “Acho que o que melhor defende a Globo é que todos dizem que ela tem lado, e é sempre o oposto de quem está falando. A direita diz que a Globo é comunista, o que é sensacional de ouvir [irônico]. A esquerda diz que a Globo é fascista e golpista, o que também é hilário”, diz.


“O que eu acho bacana é ver que a Globo, como o resto do Brasil, mudou. Por exemplo, até o Evandro Carlos de Andrade assumir o jornalismo da emissora [em 1995], havia amarras para tratar da questão do cigarro. Porque, assim como em todos os veículos, a Souza Cruz era o grande anunciante. A gente tratava [do assunto], mas era um negócio todo cheio de dedos. Aí vem o Evandro [e diz]: ‘Não, agora acabou’.”


“No jornalismo, ela [Globo] tem uma linha editorial bastante clara, que privilegia a notícia. A novidade do jornal O Globo na década de 1920 era ser noticioso. Até então, havia um jornalismo de teses, em que grandes iluminados ficavam trocando ideias. É curioso observar hoje que esse jornalismo de teses voltou na internet, onde pessoas que nunca foram à rua fazer uma reportagem ficam cagando regras e dando suas opiniões. Mas opinião e bunda dá quem quer, né?”


Ele conta que ficou “muito triste” com o episódio que levou à saída de seu amigo William Waack — “um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros”— da emissora por comentários considerados racistas. Foi Bial quem indicou Waack à TV Globo para que o substituísse como correspondente em Londres, em 1996.


“E eu tenho no meu histórico um episódio semelhante [do vazamento de um áudio em que dizia que balé era ‘coisa de viado’]. Por mistérios… Nem tão mistérios… Por sacanagem, alguém… depois de essa fita ser revisada cinco vezes [antes de ir ao ar], isso foi exibido [em 1998, no Fantástico]. Se fosse hoje, sei lá o que iria acontecer”, diz Bial.


“Nesses tempos [de hoje], o que eu achei muito suspeito foi uma brincadeira pra lá de infeliz do William vazar um ano depois [da gravação]. Pô, um ano? O que aconteceu nesse ano? Primeiro, foi algo que acho ilegal, tiraram o material daqui de dentro, privado. Teve alguma bandidagem aí no meio. Um ano depois isso surge? Achei tudo meio… Fedido, sabe? Senti um cheiro ruim ali.”


“Não defendo nem a empresa nem o William nessa questão. Os dois chegaram a um acordo e não podem falar. Então não tenho informação”, conclui.


Desde a época em que apresentava o “Big Brother Brasil”, Bial já não frequenta as redes sociais. Diz que recebia muitas ofensas —entre elas, as de pessoas que se sentiam traídas pelo fato de o jornalista apresentar um programa de “entretenimento barato”. Ele comandou sua 16ª e última edição do reality show em 2016.


“Eu posso entender esse sentimento, mas é reducionista. Se você tem alguma quedinha por versatilidade, aposte nisso, né? Não precisa ser uma coisa só na vida ou achar que você se resume a uma profissão. A gente é muito mais do que isso. Eu tô num momento em que posso dizer de boca cheia: ‘Amanhã [quinta, 29] faço 60 anos. Cabem muitas vidas numa vida só!’.”


“A gente é um monte de caquinho, né? Cristalizações do que foi. O que importa é estar em movimento. A mudança é a única coisa certa.”

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