Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Ator não precisa assinar embaixo do suposto viés de uma obra, diz Enrique Diaz

Ele interpretou uma versão do doleiro Alberto Youssef em "O Mecanismo"

O ator Enrique Diaz em seu apartamento no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro
O ator Enrique Diaz em seu apartamento no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro - Rcardo Gomes/Folhapress
Bruna Narcizo

Em julho de 2017, Enrique Diaz estava sozinho em um barco que fazia a travessia para o lado peruano da tríplice fronteira amazônica, entre Brasil, Colômbia e Peru.

 

Seria a primeira vez, desde que havia se mudado com a família para o Rio de Janeiro, quando tinha 1 ano e meio de idade, que o ator pisaria no país em que nasceu.

 

Caía uma chuva fina e a viagem durou dez minutos. Ele logo colocou os pés na cidade de Santa Rosa. “Dei uma caminhada, uma choradinha e almocei”, conta. “Tô me programando pra ir ao Peru faz tempo. Foi uma falha minha [não ter ido antes]”, diz.

 

Diaz estava filmando o longa “Los Silencios”, que foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes deste ano. “A minha relação com as crianças que interpretavam meus filhos no filme já era meio que eu resgatando a minha infância peruana. Foi sensacional.”

 

“A história [do filme] é muito interessante e trata de algo de que a gente fala pouco no Brasil: as Farc, as guerrilhas e as consequências daquilo para a Colômbia.”

 

O ator conta que, durante suas pesquisas para o personagem, teve contato com a história da guerrilha colombiana. “É sensacional, o discurso de como tudo começou com os camponeses. Um movimento superimportante. Claro que depois eles fizeram um caminho X, tiveram uma relação com o narcotráfico. Mas aquilo é de um paradoxo gigantesco.”

 

Diaz volta a falar de contradições quando aborda outro de seus trabalhos recentes: a série “O Mecanismo”, sobre a Operação Lava Jato, em que ele interpreta o doleiro Roberto Ibrahim, versão de Alberto Youssef na ficção.

 

“No caso das minhas opiniões em relação a política, talvez tenha um paradoxo ali. Mas eu não acho ruim. Acho o paradoxo em alguns momentos bem-vindo”, afirma o ator sobre o roteiro da obra, criticada por carregar nas tintas contra Lula e o PT.

 

Na série, o célebre diálogo em que, na vida real, o senador Romero Jucá diz que é necessário “estancar a sangria” da Operação Lava Jato aparece na boca do ex-presidente.

 

“Para mim tá muito claro que o ator não precisa assinar embaixo de um suposto viés de uma obra. Claro que esse viés é até certo ponto abstrato, até certo ponto, não”, diz.

 

“As pessoas têm que falar o que elas acham. É um exercício de cidadania, ter opinião. A obra tá ali e também é um exercício de democracia ter liberdade de expressão para fazer a afirmação de uma linha ficcional, como ela ["O Mecanismo”] se autodeclara. E as pessoas verem aquilo e falarem: ‘Ah, eu acho isso ou aquilo’.”

 

“Toda e qualquer gritaria no sentido de lembrar e tentar minimizar os prejuízos é importante. Estamos sendo roubados de uma coisa muito valiosa, que é um processo histórico na direção da maturidade, igualdade, cidadania. Precisamos mudar o rumo dessa história.”

 

O ator diz que esse “roubo para tirar direitos das pessoas, especialmente das classes mais baixas, acontece desde antes do golpe [impeachment de Dilma Rousseff]”.

 

Para ele, o Brasil sempre viveu um “regime de castas”. “Existem pessoas que têm a vida mais descartável e pessoas cuja vida merece todos os confortos. Isso ocorre desde quando éramos colônia. Qualquer mudança desse status quo é sempre atacada com ferramentas que estão nas mãos de quem pode atacar de maneira muito violenta.”

 

Para ele, dizer que a culpa também é do PT “inverte os termos da equação”. 

 

“É desconsiderar o outro lado da coisa, as pessoas [beneficiadas pelos governos do PT]  falaram: ‘Caralho, sou gente e posso pensar, estudar, me relacionar, coexistir, pertencer’. Eu não consigo colocar a discussão sobre corrupção ao lado disso. Vamos combater a corrupção, claro, mas não vamos jogar tudo fora.”

 

Se candidatar a algum cargo político, no entanto, está totalmente fora de cogitação para Diaz. “Tem muita gente se aglutinando, positivando, esclarecendo, apontando, se colocando de verdade. E não necessariamente de forma partidária.”

 

Diaz, sua mulher, a atriz Mariana Lima, e o diretor Renato Linhares, por exemplo, ministraram um curso de teatro durante quatro meses em 2017 no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.

 

“A gente descobriu uma coisa sensacional e deliciosa: a qualidade do interesse daquelas pessoas no tipo de trabalho que a gente tava sugerindo. E isso também é maravilhoso politicamente.”

 

No dia da entrevista, o ator acabava de chegar da comunidade fluminense. Ele só conseguiu retomar o projeto agora porque precisou passar quatro meses no sertão paraibano gravando a série “Onde Nascem os Fortes”, da TV Globo. Ele vive o delegado Plínio.

 

“O sertão em si é um lugar que mexe muito com a gente. O que mais me impressionou foi ver como, quando choveu, planícies inteiras que estavam secas verdejaram numa rapidez impressionante. Dá a sensação de que, investindo e cuidando, aquilo ali é muito mais fértil do que a gente pensa.”

 

A temporada no Nordeste também prejudicou as aulas do mestrado em letras, curso que começou neste ano.

 

Ele diz que a vida acadêmica o ajuda “a articular experiências que estariam mais soltas. E também a tentação da vaidade, que no trabalho de ator é muito presente”.

 

“Estava lendo ontem, atrasadíssimo porque matei dois meses de aula, um texto do [filósofo francês Michel] Foucault sobre biopoder e racismo. É um tipo de discussão violentamente atual e, em geral, não vai ser no jornal que você lê de manhã que vai ler aquilo. Isso é sensacional e te dá ferramentas para se relacionar com outras pessoas.”

 

Diaz admite que conciliar os estudos com a profissão de ator não tem sido fácil. Mas diz que tenta não ter culpa. “Aquilo ali é para enriquecer a pesquisa, não é escolinha. Às vezes ainda vem o aluninho chatinho dentro de mim. Que quer ler os textos e saber responder tudo. É uma coisa CDF, eu sei. Mas é também um desejo de aproveitar ao máximo.”

 

“Quando ficar mais velho, quero manter minhas curiosidades vivas. Se eu quiser escrever, me é custoso. Mas eu gosto do que resulta.”

 

Diaz faz terapia há 30 anos. E diz que está “cheio de problemas ainda.” “Estar vivo é difícil. Você afirma uma coisa e acha que está preso e aquilo é seu. Aí você vê que não é, que tem que soltar. É uma coisa dinâmica.” 

 

Ele diz que a terapia “ajuda muito”. E aconselha: “Todo mundo deveria se permitir fazer. Tanta imbecilidade e tanta truculência no dia a dia e fora dele... Era só fazer uma terapiazinha. Ver onde estão os desejos. Cabe muita coisa em pessoas analisadas. Trabalho bastante, tenho várias iniciativas e tenho minhas filhas [Elena de 13 anos e Antonia de 10]. Ainda estou descobrindo um jeito de fazer essa vida. E gosto muito disso.”

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