Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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A televisão é racista? A nossa sociedade ainda é, diz Vladimir Brichta

Ator conta como o teatro curou sua gagueira e o ajudou a deixar de brigar

O ator Vladimir Brichta
O ator Vladimir Brichta - Ricardo Borges/Folhapress
Bruno B. Soraggi

Paulo Vladimir Brichta foi, como ele próprio diz, “uma criança com impulsos violentos”. “Tanto que tenho essa cicatriz”, afirma o ator de 42 anos apontando para a pequena marca próxima à sua sobrancelha direita. “Eu era muito reativo.”

 

“Tomei três pontos depois de uma briga em sala de aula. Um garoto me deu um balão [rasteira] e eu caí com a testa na quina da carteira”, conta, sobre o episódio vivido quando tinha dez anos. Segundo ele, as aulas de teatro, que passou a frequentar na época, ajudaram-no a “canalizar essa energia”.

 

“A professora pegou nós dois [ele e o rapaz com quem se desentendeu] e montou uma peça chamada ‘O Teimosinho e o Mandão’, com dois personagens com barris de pólvora que ficam discutindo. Mais ou menos que nem o [Donald] Trump [presidente americano] e o Kim [Jong-un, ditador da Coreia do Norte]”, brinca. 

 

“Ele [o garoto que o agrediu] era muito gago. E eu ficava gago quando brigava. Aí curou a gagueira dos dois. Foi maravilhoso [risos]”, diz. “Sou total a favor do teatro como instrumento educacional. Nele você precisa entender o coletivo e respeitá-lo, mas também a sua individualidade precisa estar presente. Isso tem um impacto muito bom no amadurecimento”, avalia.

 

Em junho, Brichta recebeu o prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pela atuação no filme “Bingo — O Rei das Manhãs”. Em seu discurso na entrega do troféu, ele disse que celebrar o meio artístico “é uma forma de resistir e de dizer que a gente está vivo nessa porra”. 

 

“Alguns políticos e uma parte da sociedade têm o desejo de criminalizar, de julgar o que é moral, propondo medidas para deslegitimar expressões artísticas”, avalia. 

 

“Não é à toa que uma das primeiras medidas de [Michel] Temer foi querer acabar com o Ministério da Cultura”, afirma o ator. “Isso revela muito de um governo tentando enfraquecer equipamentos sociais que são poderosos”, diz. 

 

“Acho que uma parcela pequena, mas relevante, da sociedade tem, sim, um pensamento que pode ser classificado como fascista. Mas colocar isso como maioria? Rejeito essa ideia.”

 

“A gente não ignora o fato de que vivemos numa crise, em que muita coisa acontece e mais gente morre de fome, de violência. E nessas horas você até fala: ‘Poxa, parece que não é legítimo defender algo que está no campo da subjetividade’. Primeiro, realmente, eu tenho que matar a fome.”

 

“Mas não reconhecer o valor da cultura como um espaço de pensamentos que vão tirar a gente desse lugar é um tiro no pé”, avalia. “A arte reflete tudo: direitos civis, a falta de empatia. Tudo isso vai fazer um país andar pra frente ou para trás”, argumenta. 

 

Nascido em Diamantina (MG), mas criado em Salvador (BA), Vladimir Brichta não tem redes sociais. “Não tenho nada contra, mas ainda não tive vontade de ter”, afirma.  

 

“Se eu só postar ‘Estou com a peça tal’ ou ‘Meu voto vai para não sei quem’ ou ‘Esse BRT em Salvador está destruindo árvores centenárias’, não vou ter seguidores. Teria que mostrar meu trabalho, e, eventualmente, coisas que revelam o que é íntimo”, diz. “O privado tem um valor pra mim.”

 

Para ilustrar o tema, ele cita uma viagem que fez com um amigo e o irmão. “Em 2010,  resolvi realizar um sonho e fui para a Copa do Mundo [na África do Sul]. Paguei a passagem, hotel. Depois, fui convidado por uma revista para ir com tudo pago. Ia ficar em hotel melhor, viajar numa classe melhor. Mas não aceitei.” 

 

“Claro que quando eu vi um monte de colega meu indo de executiva, e eu na econômica, pensei: ‘Puxa vida’. Mas eu estava pagando pelo meu tempo. Eles iam chegar lá e ter que fazer fotos para uma matéria. E eu ia pegar um carrinho alugado e ver o meu irmão fazer um cocô no meio do safári [risos]. Entendeu? Esse luxo eu me dou. Essa privacidade.” 

 

A polarização no debate político também o mantém afastado das redes virtuais. 

 

“Se alguém quiser conversar, eu converso. E bastante. Mas entrar em rixazinha eu não vou. Acho lamentável que se viva isso. É como uma criança que vai ganhando maturidade. A nossa democracia não é madura. É como se ela ainda fosse adolescente. Estamos nesse estágio de muito hormônio e pouca ponderação. É o teimosinho e o mandão.”

 

“A discussão é tão mais complexa do que ficar de picuinha”, avalia o ator, que já apoiou a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, em 2016, votou em Lula —ele considera a prisão do ex-presidente “politizada, uma perseguição”— e já disse “que, no segundo turno, se for Bolsonaro contra qualquer um, subo no palanque de qualquer um”. 

 

“Brincadeira. Qualquer um, não. Mas existe a chance de eu apoiar [algum político] se achar o discurso legítimo”, emenda. Sobre possíveis candidatos em quem votar, ele diz estar “ponderando entre Ciro Gomes e Guilherme Boulos”. 

 

“Eu quero muito as eleições. Alguma coisa positiva vai acontecer”, diz. “A ausência de um governo legítimo é um cancro”, afirma, referindo-se à gestão de Temer.

 

Vladimir se casou pela primeira vez aos 21 anos, com a cantora Gena, que morreu em 1999, quando ele tinha 23 anos. Com ela, teve a filha Agnes. “Eu não sei o que é ser adulto sem ser pai”, afirma. Após a morte da mulher, a ex-sogra obteve a guarda da menina, iniciando uma batalha judicial que terminou em 2002, quando Brichta conseguiu que a garota voltasse a viver com ele.

 

“Esse período é como se eu tivesse dentro de um furacão o tempo inteiro. Por isso, quando falo que não estou bem no trabalho e fui parar na terapia, não sinto que é tão trágico. Lá atrás eu tive uma sensação muito mais dolorosa”, conta.

 

Desde 2006, Brichta é casado com Adriana Esteves, com quem vive junto de Agnes, Vicente, filho do casal, e Felipe, fruto do matrimônio anterior de Adriana com Marco Ricca. 

 

“A gente tem uma dinâmica moderna que dá certo demais. E não é uma família margarina. É por batalha, desejo, investimento e amor. A gente coloca isso num lugar precioso.” 

 

Ele quase recusou o convite para participar do folhetim “Segundo Sol”, na Globo, em que interpreta o vilão Remy. “Achava que não precisava emendar mais um trabalho”, diz o ator, que, em 2016 e 2017, esteve na TV com “Justiça”, “Rock Story” e “Cidade Proibida”. 

 

“Só que a história se passa em Salvador, aí o cachorro começa a ficar com vontade de fazer xixi no poste para marcar território”, brinca. “E tinha o fato de que eu voltaria a trabalhar —e a tirar férias— com a Adriana [que atua na mesma atração]. Isso foi argumento”, emenda, sorrindo. 

 

“Segundo Sol” foi criticada por movimentos sociais pelos poucos atores negros no elenco —a Bahia é o estado onde mais pessoas se declaram pretas (17,1%), segundo o IBGE. 

 

“A polêmica está certíssima. Que bom que deram voz a isso. E a discussão tem que ser mais ampla. Temos que sair do ‘essa representatividade não é suficiente’ para ‘a representatividade não é suficiente’”, afirma. “A televisão é racista? A verdade é que a nossa sociedade ainda é muito racista. É um erro histórico que ultrapassa a fronteira da TV.”

 

“Bingo”, estrelado por ele em 2017, foi o filme brasileiro cotado para o Oscar. A produção, porém, não foi indicada pela Academia de Hollywood. 

 

“A possibilidade de estar lá [no Oscar] é um negócio muito legal. Ainda mais quando começam a te oferecer roupa, né? [risos] As pessoas falam: ‘Posso te vestir?’ Ai você pensa: ‘Tem gente acreditando mais do que eu [risos]”, diverte-se. 

 

“Ao mesmo tempo, achar que pertencemos a essa indústria [americana] é um pouco ingênuo”, reflete. “A nossa realidade é entender o impacto que os filmes que são feitos aqui têm no Brasil. Acho que é mais relevante o próximo filme do Karim [Aïnouz] ou do Kleber [Mendonça Filho] do que o filme que o produtor que já trabalhou pra não sei quem de Hollywood fez.”

 

“Pra fazer um balanço da experiência com o ‘Bingo’, é muito como sair da cidade para ver a altura das torres. Ter um distanciamento e entender o quanto a gente é provinciano. E, também, o quanto a gente não é provinciano”, reflete. “Até onde o ‘Bingo’ foi, foi ótimo.”

 

“Adoro aquela frase de para-choque de caminhão que diz: ‘Espere o melhor, se prepare para o pior e aceite o que vier’. Eu espero o melhor. E aceito o que vier. E tá lindo.” 

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