Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Nunca passei dos 17 anos de idade, diz Alceu Valença, aos 72

O cantor emenda uma história atrás da outra e diz que previu a queda do Muro de Berlim

O cantor Alceu Valença durante entrevista em hotel de São Paulo

O cantor Alceu Valença durante entrevista em hotel de São Paulo Keiny Andrade/Folhapress

Bruna Narcizo

Alceu Valença já foi preso. Pouca gente sabe, mas ele passou um dia no prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de Recife durante o regime militar. “Primeiro eu quero dizer que não foi nada.  A gente ganhou as eleições do diretório da faculdade e prenderam eu e mais umas quatro pessoas”, diz o cantor.

 

“Nunca falei sobre isso porque a minha prisão foi uma coisa tão pequena que eu achava que tocar nesse assunto era talvez tirar uma banca de herói. E foi uma coisa tão besta.”

 

Essa não foi a única experiência dele com os militares. “A gente ia para uma instituição da Marinha para poder passar a música. Uma vez o cara me disse: ‘Olha, você não pode ter o nome Joana na música, não. Porque Joana lembra ‘marijuana’, que é maconha, e maconha é proibido. Logo, está censurada a sua música’”, conta Alceu.

 

 

“Na hora eu perguntei se podia trocar Joana por Diana. Então surgiu ‘Diana me dê seu talismã’”, diz ele, cantarolando os versos da música.

 

Alceu acaba de completar 72 anos (fez aniversário no dia 1º). E segue rodando o Brasil como poucos. Em plena crise, conseguiu se apresentar 53 vezes em shows por dezenas de cidades brasileiras.

 

Só no estado de SP ele já esteve dez vezes —na capital, seis. Foi uma das estrelas do Carnaval, lotando o vale do Anhangabaú e o parque do Ibirapuera, este ao lado de Elba Ramalho. Era apresentado por alguns sites de cultura como “um dos pernambucanos mais amados por São Paulo”.

 

Ele tem sete formatos de shows —de forró, de Carnaval, com orquestra. Em quase todos, canta, pula e dança sem parar. Mantém a forma e veste, no show “Vivo! Revivo!”, em que recria a sua trajetória musical, a mesma roupa que usou em 1976.

 

Fora do palco, fala sem parar. Conta uma história atrás da outra.

 

Alceu diz que previu, por exemplo, a queda do muro de Berlim, ainda na década de 1970, quando corria a Europa com seus primos.

 

“Estava na Alemanha Oriental e fui ao banheiro. E disse: ‘O muro de Berlim vai acabar. Porque a bunda do comunista não aguenta essa lixa’”, diz ele, gargalhando, referindo-se ao papel higiênico que usou na ocasião. 

 

Hoje, sua preocupação é o Brasil. “Eu tenho medo desse país da internet, com essas brigas irracionais. Está faltando diálogo. Essa polarização é boba demais. É muito besta e me deixa muito triste.”

 

“Já votei em Brizola, em Ciro Gomes, em Fernando Henrique Cardoso duas vezes, duas vezes em Lula e uma em Dilma. Em 2014, ia votar em Eduardo Campos. Quando ele morreu, fiquei tão chocado que não votei em ninguém”, segue.

 

Ele afirma que sempre foi “apedrejado pela direita e depois pela esquerda”.

 

“O comunismo não vai sobreviver. Você tem que reformar o neoliberalismo para dar às
pessoas alguma oportunidade. Por exemplo, na Europa, uma criança tem o direito à alimentação e o direito à saúde é igual para todo mundo. Aí existe a meritocracia. Acho que esse tal de neoliberal já começou velho.”

 

“Temos que construir uma sociedade que exista com oportunidade para todos. Estudei em colégio público apesar de meu pai ter dinheiro pra pagar [o ensino privado]. Porque era um dos melhores [colégios].” 
O pai, aliás, é o responsável por Alceu ser “um músico que nunca ouvia música”.

 

“Papai gostava de dizer que na nossa família quase todo mundo era formado, o que era raro na época. Mas aqueles que tocavam quase sempre não estudavam. E ele, vendo que eu talvez tivesse um jeitinho, me tirou [da música].”

 

“Meu pai só deixou a radiola pra gente no dia em que eu passei no vestibular. Mas eu não comprava discos. Minha mesada era pequena e eu tinha que pagar as coisas pras meninas com quem saía. Preferia namorar.”

 

Diz que namorou “o Brasil quase todinho. Todas lindas”. Mas se achava desajeitado. “Minha avó uma vez se referiu a mim como parecido com o Neto Campelo [que na época era candidato a governador de Pernambuco]. Resultado: fiquei pensando que eu era feio como ele. Passei o tempo quase todinho me achando o cara mais feio do mundo.”

 

Na juventude, a coisa amenizou: começaram a dizer que ele era parecido com o galã francês Jean-Paul Belmondo. “Foi a melhor coisa do mundo! Daí em diante eu ia para o cinema e as meninas todas diziam: ‘Oh, meu Deus! Ele é a cara do galã do filme’. Arranjar namorada passou a ser a coisa mais fácil.”

 

“Neste momento aconteceu uma coisa muito interessante. Decidi que queria ser um intelectual e comecei a escrever poemas.”

 

“Em 1969, eu prestei um concurso para uma bolsa [de 30 dias] em Harvard. Fiz uma poesia sobre a relação entre o cristianismo e o marxismo e passei.”

 

“Fiz o curso de sociologia da América Latina. Ao chegar lá, um amigo levou um violão e eu saía pra tocar na rua. Os hippies enlouqueciam. Um jornalista escreveu uma matéria dizendo que eu era ‘Alceu Valença, Brazilian Bob Dylan’. Quando voltei para o Brasil, participei de festivais. Cantei com orquestra e pela primeira vez para um público imenso no Maracanãzinho.”

 

O começo, no entanto, foi difícil. “Meu primeiro show no Rio tinha 39 pessoas, todos meus amigos. No segundo dia só tinha cinco pessoas, mais músico do que público. De repente tive uma ideia. Peguei um papelão e fui para o sinal de uma rua em Copacabana fazer palhaçada. Saí dizendo: ‘Não deixe de assistir ao maior espetáculo da terra. Alceu Valença no show ‘Vou Danado pra Catende’!”

 

“Virou uma coqueluche, com gente pra caramba nos dois meses em que ficamos no teatro Tereza Raquel. Depois ainda passei um mês no teatro Casa Grande.”

 

Fez sucesso. Era contratado pela Som Livre quando Paulo Coelho o chamou para ir para a Polygram [onde o escritor trabalhava]. “No dia em que fui pedir a minha rescisão para o João Araújo, o pai do Cazuza, o Tim Maia entrou gritando: ‘São 12 quindins, você fica com 88 e eu só fico com 12!’. Começou a esmurrar a parede, chorou e foi embora. E eu ali!”

 

“No outro dia, como tinha sido acordado com Paulo Coelho, fui para a Polygram. Ao chegar, ele estava lá e disse que ia fazer xixi. Até hoje não voltou! Eu já tava de saco cheio de tudo e resolvi ir para a França.”

 

“Conheci toda a intelectualidade francesa. Foi legal. Mas me deu uma saudade profunda do Brasil e vim embora. Cheguei aqui e fiz o disco ‘Coração Bobo’. Aí a minha carreira explodiu.”

 

Diz que faz música e letra na hora que quer. “Quer que eu componha? Um samba?”, afirma ele antes de começar a assobiar uma melodia e batucar um ritmo com as unhas compridas na mesa de madeira. “Fiz agora. Juro pela hóstia da mãe sagrada, como diziam antigamente.”

 

“Toco o que quero, do jeito que quero. Eu só faço o que quero. Cada vez que eu canto, tô cantando pela primeira vez. Estou em um momento de interpretação que é único, entendeu? Eu não vou cantar exatamente igual a mesma música duas vezes”, diz o artista.

 

“Eu não tô ficando velho. Eu tenho 17 anos de idade. Nunca passei dos 17 na minha cabeça. Tô falando a verdade. Eu não sou uma pessoa madura. Eu até hoje sou imaturo. Não sei resolver problemas de dinheiro. Muitas vezes quem resolve essas coisas pra mim é minha mulher. Não sei minha conta no banco. Tem dias que eu saio de casa e não tenho dinheiro para poder voltar.”

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