Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Peço perdão se incentivei a maltratar os animais', diz Asa Branca

Locutor de rodeios sobreviveu a explosão de avião e de carro, ao câncer e a tiros e convive com Aids

O locutor no Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera: “É o mais bonito de SP. Olha esses cavalos”, ele diz 
O locutor no Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera: “É o mais bonito de SP. Olha esses cavalos”, ele diz  - Marlene Bergamo/Folhapress
Bruna Narcizo

“Se fosse para ser um animal, não queria ser o de rodeio”, diz Asa Branca, o maior locutor de montarias em touros do Brasil. “Todo dia, antes de dormir, eu peço perdão para Deus se eu incentivei a maltratar os animais.” 

 

“Hoje, não sou a favor, nem contra [os rodeios]. Mas não vou mais brigar, nem usar o meu nome para defender. Porque quem tem que dizer são os médicos veterinários. E a maioria é contra”, diz ele, que hoje tem 56 anos. Sua vida virou o documentário “A Última Lenda do Rodeio”, que estreia neste domingo (26), em Barretos. 

 

Asa, como é chamado pelos amigos, foi um dos defensores da profissionalização dos rodeios na década de 1990. 

 

Ele chegou a fazer campanha para Fernando Henrique Cardoso, em 1994. A ideia surgiu depois de ver a cantora Rita Lee no programa da Hebe Camargo com uma camiseta onde estava escrito “Odeio Rodeio”.

 

“Fui pedir ajuda [para o FHC]. Disse que levaria ele nas festas, para ele conseguir votos. Mas em troca ele teria que assinar a lei que transformaria o rodeio em profissão. Aí ele prometeu: ‘Se eu for eleito, assino’”.

 

O locutor disse que FHC precisava ir para Barretos, o maior rodeio do Brasil. Mas, naquele ano, o governador de SP era Fleury Filho, do PMDB, que fazia campanha para Orestes Quércia, presidenciável de seu partido. Eles estariam no principal camarote da festa. 

 

FHC foi escondido. Na ocasião, Asa pediu para o carnavalesco Joãozinho 30 fazer uma réplica gigante da taça da Copa do Mundo —a seleção brasileira havia conquistado o tetracampeonato. 

 

“Narrei um gol do Romário, coloquei a música do Ayrton Senna e saí de dentro da taça no meio da arena.” 

 

O público vibrava, ele diz. “Comecei a falar: ‘Gente, o rodeio emprega tanto quanto a indústria automobilística. Mas tão querendo acabar. Só que eu tenho um homem aqui que eu já considero presidente do Brasil e ele vai assinar a lei que transformará rodeio em profissão: Fernando Henrique Cardoso’.”

 

“Ele tinha ensaiado um discurso de três minutos, mas só conseguiu dizer: ‘Obrigado meu povo! Prometo ajudar o rodeio’”. Asa conta que olhou para o camarote e viu Fleury e Quércia brigando com os organizadores da festa.

 

O projeto de lei que reconheceu o peão como esportista profissional foi homologado pelo presidente Fernando Henrique em 2002

 

Asa se diz “tucano roxo”, mas acredita que o partido vai perder as eleições deste ano. “Se o PT lançar um candidato certo. E se o Lula, de dentro da cadeia mesmo, apoiar, ele leva.”

 

“Acho que o [candidato à Presidência pelo PSL, Jair] Bolsonaro é um cavalo paraguaio. Só tem a arrancada. Ele quer a volta do porte de armas, mas no Brasil não tem condição. Vai virar uma matança!”

 

Para ele, a derrota do PSDB poderá ser causada pela saída de Mário Covas Neto, o Zuzinha. “Rachou o partido. Ele era uma fortaleza. Além de ser um bom articulador, é biliardário.” 

 

Asa diz que ele e Zuzinha são amigos “há muito tempo”. “Ajudei ele a cuidar do pai [Mario Covas] no fim da vida”. O ex-governador de SP morreu de um câncer na bexiga em 2001.

 

Foi Zuzinha, aliás, que internou o locutor em uma clínica de reabilitação, em 2007. Ele era viciado em cocaína. “Fui numa boa, eu queria mesmo. Sabia que precisava”, conta. 

 

Ele afirma que a primeira vez que cheirou foi com duas artistas famosas. “Estava no apartamento de uma delas e me perguntaram se eu queria experimentar. O negócio foi bom, hein?”

 

Asa conta que chegou a ganhar R$ 1 milhão por mês, tinha um helicóptero MD 500 e um avião Navajo. O locutor namorou mulheres como a jornalista Marília Gabriela e a modelo Núbia de Oliveira. Nessa época, ele morava na cobertura do flat Fortune Residente, no bairro dos Jardins. 

 

“Comecei a aparecer na televisão. Fiz novelas [‘Mulheres de Areia’, ‘O Rei do Gado’ e ‘América’] e o show Amigos [com Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo].” 

Mas Asa diz que foi um longo caminho até o sucesso. “Com 16 anos, fui para um garimpo para aprender a pilotar avião. Depois, me tornei jogador de futebol profissional. Cheguei a marcar Serginho Chulapa e Casagrande”, lembra ele, que era contratado pelo Taubaté. 

 

A carreira nos campos acabou aos 23 anos. “Sempre tive estopim curto e joguei uma máquina de escrever no diretor de futebol. Tinha faltado a um treino e ele começou a gritar comigo.”

 

Ele voltou para o interior de SP e foi trabalhar tirando leite de vaca em uma fazenda. Foi aí que decidiu ser peão. Mas o sonho acabou em 1984 depois de ser chifrado e pisoteado por um touro. Muito machucado, com um pulmão perfurado e uma fratura no crânio, ele ficou com medo. 

 

“Larguei tudo e fui limpar cocheira nos Estados Unidos em 1986. Vi pela primeira vez um microfone sem fio. Comprei um e trouxe para o Brasil”.

 

“Os locutores narravam os rodeios de cima do palco. E eu passei a narrar da arena. Foi por isso que virei o Asa Branca. Comecei a descer de helicóptero e botei o rock e o country como trilha sonora.” 

 

“Eu não me via como artista, mas como um animador da plateia. Quando eu narrava, a arquibancada virava uma boate”, diz. “Aí os outros começaram a me imitar e virou escola. Eles fizeram o meu nome. Hoje, só narram de dentro da arena. Mas o cachê do locutor é apenas R$ 1.500. Cheguei a ganhar R$ 300 mil por prova.”

Mas num dia de 2007, Asa estava narrando na cidade de Unaí, em Minas Gerais. “Senti o corpo fraquejar e caí no chão. Fui para um hospital e fizeram exames. Quando o médico entrou no meu quarto eu perguntei: ‘Eu to com o bicho da goiaba [Aids], né, doutor?’ Ele disse que sim. Aí eu perguntei: ‘Ixi, então eu vou morrer? Mas ele disse que se tomasse os retrovirais direito, eu não morreria.”

 

“Nunca usei camisinha. Cara nascido no mato é meio ignorante. Só que comecei a emagrecer demais, mas não tinha coragem de fazer o exame. Sabia que ia dar positivo. Veio a doença e, quando eu vi, tava no fundo do poço. Ganhei muito dinheiro, mas foi tudo em avião, helicóptero, mulher, pinga, farra e foguete”, diz. 

 

Foi nessa época, que Zuzinha o internou. “Mas quando eu saí, tive recaída. Foi só quando ela [Sandra, sua atual mulher] apareceu na minha vida, que larguei de vez as drogas.” 

 

“Devo tudo a essa mulher. A gente se conheceu com 12 anos. Eu quis namorar ela e ela não quis. Depois de 20 anos, a gente se encontrou de novo, começou a namorar e casou.”

 

Sandra já era soropositiva quando eles se reencontraram, em 2008. “Além de ser minha esposa, ela é minha mãe. Não troco por nada nesse mundo. Ela salvou a minha vida. Sozinho eu não dava conta, não.” 

 

Asa conta que quase morreu mais de dez vezes. Além dos incidentes com o touro e do HIV positivo, também entram na conta dele uma explosão de um carro e de um avião, e duas vezes em que ele foi baleado.

 

Em 2013, mais uma vez esteve de cara com a morte. Foi internado no Hospital Emílio Ribas, em SP, com neurocritococose, mais conhecida como a doença do pombo, uma das enfermidades oportunistas surgidas pela ação do HIV. Em 83 dias ele, que tem 1,87m, chegou a pesar 50 quilos. 

 

Durante esse período, também teve hidrocefalia e meningite bacteriana. “O médico me disse que ele ia para a sala de cirurgia e que, quando voltasse, talvez não estaria mais no meio de nós”, lembra Sandra, com lágrimas nos olhos. 

 

Há um ano, Asa foi diagnosticado com câncer na garganta. Na quinta (23), ele recebeu o diagnóstico de que o tumor havia sumido. Mesmo livre da doença, o locutor ainda sente dor e ficou com uma sequela no nervo do trigêmeo. Por isso, consegue abrir só um pouco de sua boca. 

 

Ele chegou a pesar 60 quilos. Agora, está com 68 kg, mas só consegue comer alimentos líquidos ou pastosos. 

 

Asa diz que ainda tem um sonho: adotar um filho. Pai de sete filhos com sete mulheres diferentes, ele diz que nunca participou da criação de nenhum deles. “Eu vejo uma criança e me dá até água nos olhos de vontade de criar. De chamar e falar: ‘Vem cá com o pai’. Eu num tive isso.”

 

“Mas eu acho que seria muita falta de responsabilidade adotar uma criança”, diz Sandra. “Sou soropositiva há 18 anos. A gente sabe que pode não viver muito mais”.

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