Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Nunca quis ser um fora da lei, mas a vida me levou', diz o doleiro Juca Bala

Vinicius Claret chora ao lembrar da solidão na prisão e quer ensinar boas práticas para empresas

Vinicius Claret, o Juca Bala, no escritório de seu advogado, Márcio Delambert, no Rio
Vinicius Claret, o Juca Bala, no escritório de seu advogado, Márcio Delambert, no Rio - Zô Guimarães/Folhapress
Bruna Narcizo

O doleiro Vinicius Claret, celebrizado na crônica financeira-policial como Juca Bala, decidiu se mudar para o Uruguai em 2003, quando Alberto Youssef, outro profissional conhecido do mercado paralelo, foi preso acusado de desviar bilhões para o exterior no escândalo do Banestado.

 

"Fiquei com medo das autoridades daqui e de acontecer algo [prisão], diz ele, que tem um pouco de dificuldade para falar português.

 

Quinze anos depois, mesmo longe do Brasil, não houve escapatória: Claret foi preso no ano passado no país vizinho pela Operação Lava Jato, da qual Youssef foi um dos primeiros delatores. Como o colega paranaense —que, por sinal—, ele não conhece pessoalmente ganhou a alcunha de “doleiro dos doleiros”. Sua prisão, dizia-se na época, poderia explodir esquemas de parte da elite nacional.

 

Foi com o acordo de delação de Claret e de seu sócio Claudio Barboza, o Tony, que o MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio) deflagrou a Operação Câmbio, Desligo, que determinou a prisão de 53 pessoas, em sua maioria doleiros. 

 

Claret e Barboza chegaram a movimentar US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 6,5 bilhões) em dez anos por meio de 3.000 offshores em 52 países. O que eles falaram às autoridades permanece em sigilo. Com a condição de não tocar nesse assunto, o doleiro recebeu a coluna no escritório de seu advogado, Márcio Delambert, no centro do Rio.

 

Foi no Uruguai que ele ganhou o apelido Juca Bala. “Um técnico de informática foi instalar o MSN [programa de computador para troca de mensagens] e precisava de um nome”, diz. Segundo ele, a inspiração veio de algumas balas Juquinha —mastigáveis sabor tutti-fruti— que estavam em cima da mesa. 

 

“Mas o e-mail ‘balajuquinha’ já existia. Então, ele sugeriu ‘jucabala’. E ficou”, conta.

 

Claret relata que quando chegou ao Cárcere Centrale, onde ficou preso por dez meses no Uruguai, as pessoas ficaram com medo dele. “Achavam que o bala vinha de bala de revólver. Ninguém mexia comigo nem com meu ex-sócio. Pensavam que eu era perigoso.

 

O mesmo ocorreu quando chegou ao presídio de Benfica, no Rio, para onde foi transferido em janeiro deste ano. 

 

“As pessoas me olhavam e eu via que emanava um medo delas em relação a mim. Já tinha dado certo no Uruguai —e eu deixei pensarem que o Juca Bala era alguma coisa ruim. Não sei o que vou encontrar [nas prisões]. Tem pessoas que cometeram crimes violentos”. 

 

Claret foi um dos doleiros do ex-governador do Rio Sérgio Cabral —os dois se encontraram na cadeia. “Quando cheguei em Benfica, o Cabral me olhou da biblioteca. Eu não o conhecia, nunca tinha tido contato com ele. Mas o olho dele estava muito arregalado! E eu pensei: ‘Caramba, que medo essas pessoas têm de mim’”. 

 

Segundo ele, quem fazia negócios com o ex-governador do Rio eram os também doleiros e irmãos Marcelo e Renato Chebar, que fizeram acordo de colaboração com a força-tarefa da Operação Lava Jato, em 2017. Foram os Chebar que delataram Juca Bala e Tony.

 

“No começo da Lava Jato, quando o Youssef foi preso, me perguntaram se podia chegar em mim. Eu disse que não. Conhecia ele só de nome”.

 

“Por acaso eu tinha relação com os irmãos [Chebar], que tinham relacionamento com o Cabral, que recebeu o dinheiro. Quando Cabral foi preso, eu falei: ‘Vai vir em mim’. Fiquei em casa esperando. Não quis fugir. Poderia ter me escondido. Seria difícil me achar. Mas viver a vida fugindo é muito ruim”. 

 

Ele foi alcançado pela polícia em março, em Punta del Este. “Me levaram para a Interpol e depois para o Cárcere Centrale, em Montevidéu.”

 

“A primeira regra da cadeia é ficar calado e escutar. Quando fui preso, meu nome estava em todos os jornais. Uma matéria feita aqui no Brasil mostrou a fachada da minha loja de Stand Up Paddle [pranchas grandes que são usadas com remo] com o número do meu telefone. Criaram grupo de WhatsApp. Recebi ameaças e mensagens de pessoas pedindo porcentagens.” 

 

Claret conta que as ameaças foram um dos principais motivos para ele tentar evitar a transferência para o Brasil, num primeiro momento. Como tem cidadania uruguaia, o doleiro poderia ter travado uma briga judicial pela sua permanência naquele país. “Como eu vou para um presídio no Rio? Não sou nenhum santo! Tenho a minha culpa, mas achei que minha integridade física corria risco.”

 

Segundo ele, a extradição poderia ser protelada por três ou quatro anos. “No Cárcere Centrale convivi com alemães, austríacos, espanhóis e argentinos. E eu vi que, se eu quisesse, nem teria sido extraditado. Estavam falando que eu era o doleiro do Cabral, que fiz  US$ 100 milhões. Eu não era nada disso. Primeiro, eu precisava mostrar quem eu sou para poder negociar qualquer coisa. Até então eu era a pior pessoa do planeta.”

 

Ficou relativamente tranquilo depois de ser convencido de que não seria colocado em uma cadeia violenta e não correria risco de sofrer violência.

 

“Quando chegamos [ele e o sócio] em Benfica, a coisa já estava mais tranquila”, diz. “Viemos num voo comercial e já saímos do avião algemados. Chegamos. Por sorte, ficamos na cela de umas pessoas, vamos dizer, tranquilas. Tinham problemas, mas não eram problemas terríveis [crimes violentos].

 

Eles não ficaram na mesma ala do ex-governador do Rio. “Não sei exatamente qual foi o motivo, mas acredito que tenha sido porque tínhamos negócios com o cambista que fazia negócios com ele.”

 

“O contato que a gente tinha [com o Cabral] era na biblioteca, onde ele trabalhava. O Cabral foi tranquilo e simpático com a gente. Nunca vi benefícios para ninguém ali dentro. É permitido levar biscoitos até hoje. Se você vai levar um biscoito suíço ou vai levar um maria, num tem isso escrito. Se o cara [familiar] tem condição, vai levar o que puder.”

 

Segundo Claret, a maioria dos presos não gostava da presença de Cabral. “Atrapalhava todo o andamento do presídio. Ficava tudo muito focado nele. Gerava uma certa curiosidade. Nem ele tinha uma vida tranquila, porque estava sempre sendo fiscalizado. Trocaram várias vezes de diretores. Até a gente acabou ficando sem banho de sol algumas vezes.”

 

“Eu já estava acostumado, porque no Uruguai não tinha banho de sol. Fiquei branco que nem cera. Eu, o Claudio e um alemão nos revezávamos nos únicos 30 minutos de sol em um pedaço da janela.”

 

O doleiro diz que seguiu uma rotina espartana tanto no Uruguai quanto no Brasil. Acordava cedo e fazia quatro horas por dia de musculação. Almoçava e depois lia. “Li muito, nem sei a quantidade. Li de tudo, tudo, tudo. Gostei muito de ler o Amyr Klink porque me tirava dali de dentro, me fazia viajar. Ele viajou sozinho e eu estava sozinho também”, diz. E começa a chorar.

 

“O livro realmente me salvou. Não vou ser piegas de dizer que foi a religião. Aqueles livros me ensinaram a viver sozinho. No Uruguai não podia ter jornais nem nada de atualidade. Os livros me aproximavam do mundo exterior. Porque meu medo lá dentro era virar um cara totalmente alienado.” 

 

Claret está em prisão domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica desde que foi solto, em maio. Ele cumpre a pena no apartamento da mãe, na Barra da Tijuca, onde também estão a sua mulher e  sua filha. 

 

Depois de 2019, ele estará livre para deixar o Brasil. “Se me aceitarem de volta no Uruguai ,eu posso ir. Mas acho que fico aqui. Porque muita coisa vai acontecer. Recortei essa semana uma reportagem no jornal [dizendo] que o Youssef foi depor. Já tem quatro anos que ele foi preso. O meu [caso] recém começou e eu não quero ir embora antes de terminar.”

 

Para fechar o acordo de delação, o MPF-RJ exigiu que Claret e o sócio dessem aulas para órgão públicos. “Eles querem que a gente ensine as práticas ilícitas para que ele possam coibi-las.” 

 

Os dois já deram cerca de 15 aulas. “Eu me sinto muito bem durante as aulas. É fantástico”, diz. E chora novamente. 

 

“Eu vejo que tô lidando com pessoas e autoridades que estão interessadas em fazer uma porção de coisas. Eles estão interessados em mudar o país. A gente está colocando algumas coisas, que eu ainda não posso falar, mas eu vejo muito claro a solução do problema.”

 

Se continuar no Brasil, Claret quer montar uma assessoria de compliance (boas práticas corporativas) para instituições privadas. “As que eu conheço são muito teóricas.” 

 

“A minha vida não foi mole. Perdi um irmão cedo. Mas nem quero falar sobre isso. Senão fica parecendo que eu sou vitimazinha. Não sou vítima. Mas sempre quis ser outra pessoa. Nunca quis ser um fora da lei, mas a vida me levou pra isso e é difícil sair. Por que o que tem nesse país? É só incerteza, o tempo todo. Não tenho ilusões.”

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