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'Censura não era problema há seis anos; hoje é', diz filho de Fernanda Montenegro

O cineasta Claudio Torres vê bom momento do mercado audiovisual e torce por 'milagre' nas urnas

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O cineasta Claudio Torres na sede da produtora Conspiração, em São Paulo
O cineasta Claudio Torres na sede da produtora Conspiração, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

“Eu tinha muito medo de a minha mãe fazer cinema porque achava que ela ia ter que tirar a roupa”, conta o cineasta Claudio Torres. Como muitos adolescentes, o filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres não se sentia confortável em ver sua progenitora nua. 

 

“Lembro de um dia em que eu cheguei em casa e o [cineasta Arnaldo] Jabor estava falando com a minha mãe. Olhei pra ele, cabeludo, e pensei: ‘Esse cara é de cinema. Vai chamar ela para fazer um filme. Talvez ela tenha que ficar sem roupa’”, diz Claudio, que na época queria ser desenhista de histórias em quadrinhos. 

 

O encontro resultou no filme “Tudo Bem” (1978), de Jabor, que Claudio “ama de paixão”. “Tem uma cena de sexo dela com o Paulo Gracindo (1911-1995), mas ela não tirou a roupa [risos].”

 

Hoje com 55 anos e a experiência de ter escrito e dirigido os filmes “Redentor” (2004), “A Mulher do meu Amigo” (2008), “A Mulher Invisível” (2009) e “O Homem do Futuro” (2011), ele entende que o ator “empresta o seu corpo ao personagem”. “Como vai fazer a história do Adão e Eva se a Eva não tirar a roupa?”, questiona. “Faz parte. A gente não pode virar purista.” 

 

Ele avalia, porém, que existem “diferentes formas de filmar”. “Sempre deixei a opção de ficar nu com a atriz e o ator”, diz. “Não sou ninguém para dizer como se deve fazer. Acho que ninguém tem esse direito. A gente tem que viver em um mundo onde tudo é possível. Se não, vamos ter que passar por quantos manuais para poder fazer algo?” 

 

Para ele, “a arte precisa ser preservada de doutrinação” e o “politicamente correto é um horror". “Ele acaba com o humor. É impossível fazer uma piada sem ser politicamente incorreto. E isso é um sentido crítico”, argumenta o cineasta, que cita um exemplo: “Eu sou careca. Tem piada de careca. O dia que não tiver piada de careca o mundo vai ser pior”.

 

Ele é irmão da atriz Fernanda Torres. “A minha família nunca foi machista porque as mulheres lá dentro tiveram não só voz como comando”, afirma. “Sempre respeitei, admirei e acho que as mulheres são melhores que os homens.”

 

Ter crescido em um ambiente de teatro “foi fundamental”. “Meus pais assistiam a filmes como quem comenta uma partida de futebol. ‘Ih, esse aí é prego, canastrão’ [risos]. Minha infância foi vendo filme assim.”

 

 

Claudio é roteirista e diretor da série “Magnífica 70”, da qual a última temporada estreia no canal pago HBO neste mês. A atração conta a história de uma produtora de pornochanchadas na ditadura militar. 

 

“A censura não era um problema seis anos atrás [quando a série começou a ser escrita]. Hoje é”, diz o cineasta. “Há seis anos, não tinham proibido exposição em museu, e os militares estavam nos quartéis, ou cuidando da fronteira, ajudando no Haiti”, segue, em alusão à mostra “Queermuseu”, cuja exibição no Museu de Arte do Rio foi vetada pelo prefeito Marcelo Crivella, e à intervenção federal das forças armadas na segurança no RJ.

 

“A sensação de que alguém não deixa você falar, ler ou ver algo é a pior coisa que tem no mundo. E estranhamente isso começa a voltar nos dias de hoje muito rapidamente”, diz. “Vivi 21 anos da minha vida na ditadura. É horrível.” Ele nasceu em 1963, no Rio. “Meus pais são atores, então [na época] a questão da censura era algo do dia a dia em casa.”

 

“Tive contato com o estado opre ssor. E vi ele ir embora e o país florescer de outra forma. E, sim, estou preocupado agora porque vários lados estão flertando com coisas ruins”, avalia Claudio sobre o quadro de candidatos que disputam a eleição para presidente neste domingo (7)

 

“A ideia de ter um pensamento militar regendo a moral, os costumes e a ordem vigente não cabe na mesma gaveta de uma sociedade civil”, diz, sobre ideias identificadas com a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL). “E do outro lado eu vejo o PT flertar com a censura à imprensa. Eu condeno qualquer sistema de controle de liberdade de expressão. E tem a ausência de uma autocrítica, de negar os fatos.”

 

“De um lado você tem uma coisa medonha, autoritária, moralista. Do outro, um flerte com o controle do que é dito. Ambos me apavoram”, afirma Torres, que decidiu mudar seu voto de Marina Silva (Rede) para Ciro Gomes (PDT). “Espero por um milagre, de [o eleito] não ser nenhum dos dois polos [Haddad ou Bolsonaro].” Sobre o Brasil em 2019, ele afirma que torce “para não ser uma tragédia”. “Se for drama a gente encara”, diz. 

 

“Qualquer país no mundo se estagnou no tempo quando resolveu controlar o pensamento por um ‘bem maior’.”

 

Claudio largou o cinema para se dedicar às séries. “A única maneira de fazer dinheiro com cinema no Brasil hoje é biografia, que não me adapto para fazer, e comédia, que me diverti fazendo, mas cansei. Eu queria ir para o drama, e o lugar do drama é o ‘streaming’”, diz ele sobre as plataformas de vídeo como Netflix, HBO GO e Amazon Prime. 

 

O diretor avalia que o cinema “virou um evento pipoca”, referindo-se ao modelo que destaca blockbusters. “Hoje os realizadores que não estão interessados em fazer comédias ou filmes de super-heróis estão migrando para a TV —ou aquilo que se chamava de TV.” “Paradoxalmente, a nossa área está num momento bom.”

 

Claudio é favorável à existência de leis de incentivo à cultura. “Como o país se descobriu corrupto, não há nenhum buraco em que não apareça um caminho para uma corrupção”, diz. “Então você vê casos, por exemplo, de casamentos pagos pela Lei Rouanet.” 

 

“Mas a peça de teatro de um ator que está suando a sua camisa ali pelo preço do ingresso não vive sem incentivo. E aí nós vamos deixar o Brasil sem teatro? Acho que não deveria. Porque o perigo é a gente não contar nossa própria história”, diz. “Um governo inteligente é o que vigia os seus incentivos para eles não virarem bancadas de negócio. E que trabalhe para que a nação tenha uma expressão própria.” 

 

Recentemente, Fernanda Montenegro usou uma rede social para negar uma suposta mensagem contrária a Bolsonaro conectada a ela.

 

“O mundo polarizou, radicalizou. Há 30 anos, alguém escrevia uma carta e tinha um peso. Hoje é o tamanho do tuíte ou do lide da matéria, e aí já te amam ou te odeiam. A minha mãe é muito esperta para cair nisso. Já viveu muito, viu muita coisa passar. Acho que em momentos assim o que os artistas devem fazer é arte. Todo artista sabe que existe a verdade de um e a do outro.”

 

“Eu sou a favor da liberdade de expressão. Quero conhecer a visão do outro. Quero que ela me modifique. E quero dizer para o outro como eu vejo o mundo. Essa é a função da arte. Sem ela, a gente está perdido.”

 

“Em um roteiro, você tem que escrever o mocinho e o bandido. Quando você escreve o bandido, tem que acreditar no bandido. Você usa o seu pior para escrever aquele personagem”, afirma Claudio, para quem é “muito bom escrever vilão.” 

 

“É excelente”, emenda. “Todos nós somos vilões. Todos nós somos mocinhos. Todos nós somos homens, somos mulheres. Quero que uma mulher escreva um homem e que um homem escreva uma mulher.”

 

“Existencialmente, talvez o pior aspecto de qualquer ditadura, de direita ou de esquerda, é a questão da censura.” Ele segue: “Se você reprime, não se exprime. Você engole, introjeta. Adoece. E enlouquece.”

 

“A arte é a válvula de escape para essa doença. É como o ser humano se livra dos seus demônios”, diz. “Ela tem um manancial inesgotável de histórias para esses momentos mais escuros. E é cultura. É o que nos separa dos animais.”

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