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Eleição do chef Henrique Fogaça para síndico vira caso de polícia e Justiça

Ele disputa o comando do icônico prédio na av. Paulista que já foi chamado de 'treme-treme'

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Fachada do condomínio Baronesa de Arary, na av. Paulista
Fachada do condomínio Baronesa de Arary, na av. Paulista - Gabriel Cabral/Folhapress

Um grupo de moradores do conjunto residencial Baronesa de Arary, um dos maiores, mais antigos e simbólicos da av. Paulista, voltou para os seus apartamentos na noite da última quinta-feira de outubro comemorando o que chamaram de “um dia histórico” ou “a Revolução do Arary”. 

 

Eles celebravam a eleição do chef Henrique Fogaça para síndico e a mudança na gestão do condomínio após 18 anos de administrações que acusam de gerir mal os recursos, prestar contas de formas escusas e manobrar para manter o mesmo grupo no poder. 

 

“Vamo, caralho!”, gritou Fogaça ao ser escolhido por unanimidade pelos cerca de 80 moradores do edifício que se reuniram na praça Alexandre de Gusmão, ao lado do parque Trianon, sob uma chuva fina e fria. “A gente tem uma administração já velha. É importante renovar”, emendou o chef, que vive no Baronesa de Arary há três anos

 

Moradores do condomínio Baronesa de Arary se reuniam na praça Alexandre Gusmão após assembleia de condomínio ser cancelada
Moradores do condomínio Baronesa de Arary se reuniam na praça Alexandre Gusmão após assembleia de condomínio ser cancelada - Reprodução

O encontro na praça foi realizado após a atual administradora do prédio, a empresa Adtec Prime, suspender a assembleia convocada para aquela noite quando moradores já estavam no local marcado —um hotel na alameda Jaú. Com 559 apartamentos e cerca de 3.000 habitantes, o condomínio faz suas reuniões de moradores em locais alugados. Na pauta daquele encontro estava a eleição do síndico.

 

O cancelamento gerou bate-boca, e a polícia foi chamada para mediar a situação. 

 

O grupo descontente argumentou que tinha uma liminar da Justiça exigindo que a assembleia ocorresse seguindo a convenção do condomínio. “Aqui não é democracia”, disse durante a confusão Otavio Lotfi, síndico pela Adtec, afirmando ter respaldo para suspender o pleito. 

 

O hotel alegou que o salão foi requisitado pela Adtec, e como a empresa cancelou o encontro, a assembleia não poderia mais ser realizada ali. Foi então que os dissidentes se dirigiram para a praça, próxima ao hotel. A atual administração, que também concorria à eleição, não foi junto. 

 

“Se num condomínio acontece isso, imagina o que rola na luta pelo poder em Brasília”, disse o advogado Marcio Rachkorsky, comentarista de questões condominiais no “SPTV”, na Globo. Ele não mora no Baronesa de Arary, mas foi convidado para ajudar o grupo de Fogaça e acompanhou o imbróglio naquela quinta (25). “Nunca vi isso na minha vida.” 

 

Como síndico virtualmente eleito, Fogaça foi liberado de pagar o condomínio —que pode chegar a R$ 2.100. Mas abdicou do salário pela função, de cerca de R$ 10 mil. “Não preciso disso. O meu intuito é arrumar o prédio”, disse o chef, aplaudido pelos presentes.

 

Acompanhando a deliberação na praça também estava uma escrevente de cartório, contratada pelo grupo para registrar o encontro em ata a ser usada nos tribunais caso o outro lado contestasse o evento. 

 

Foi o que aconteceu. A Adtec recorreu e a Justiça não reconheceu a reunião da praça. A empresa diz que só mudará seus membros após nova assembleia a ser marcada. A oposição tenta reverter a decisão para que Fogaça assuma o cargo, com mandato de um ano. 

 

“A ‘assembleia’, que na verdade não passou de uma simples reunião de alguns condôminos, foi totalmente ilegal e irregular pois não cumpriu as exigências da convenção condominial”, afirmou a empresa à coluna. Segundo eles, o evento foi cancelado pela “impossibilidade do cumprimento” da liminar, que estipulava multa de R$ 20 mil para o descumprimento das determinações. 

 

“A administração amanheceu mais uma vez envergonhada com os lamentáveis fatos ocorridos”, disse a empresa. “A coordenadora de eventos do hotel disse claramente: ‘Nunca mais quero vê-los aqui’. Nosso Baronesa de Arary, já tão judiado no passado pelo abandono e más gestões, não merece sofrer nova vergonha.” 

 

Na segunda (29), Fogaça foi à polícia protocolar um boletim de ocorrência afirmando que, depois da assembleia que o elegeu, a administração atual retirou “diversos documentos do escritório” e transferiu R$ 176 mil da conta do condomínio para a conta da Adtec Prime. 

 

Lotfi afirma que “o sr. Henrique Fogaça vem se manifestando com declarações que repudiamos”. “O síndico, juntamente com o conselho consultivo, decidiu não responder às acusações do mesmo, o que será feito pelas vias legais.” 

 

“O conjunto residencial Baronesa de Arary é parte da vida cultural e social da capital paulista”, escreveu o jornalista José Venâncio de Resende no livro “Baronesa de Arary - Nobres, Pobres, Artistas, Oportunistas”, lançado em 2003. Segundo o autor, o edifício “surgiu em 1957, momento em que a avenida Paulista começava a se tornar símbolo do capitalismo brasileiro e expressão da mais alta modernidade quanto a aspectos arquitetônicos, financeiro, cultural, artístico, gastronômico e político”. 

 

Projetado pelo arquiteto Simeon Fichel, o condomínio tem quatro alas de 25 andares. Duas, batizadas Capri e Rajá, abrigam 436 quitinetes. Ainda há o Acapulco, com apartamentos de dois dormitórios, e o Côte D’Azur, com imóveis de três quartos. Em seu auge, na década de 1960, teve moradores como os atores Cacilda Becker e Walmor Chagas, que encenavam peças em seu apartamento na cobertura. Elke Maravilha também morou lá. 

 

“O Arary é um retrato dos altos e baixos do país”, escreveu Resende na obra, citando “décadas de postergação de medidas urgentes, presença de administrações incompetentes e muitas vezes corruptas, subordinação do bem estar da maioria a interesses de grupos e rolagem de dívidas na maior parte das vezes em condições desfavoráveis”. O livro conta a história do prédio até a interdição do imóvel pela prefeitura.

 

Episódios marcados por confusão não são novidade na história do Baronesa de Arary. Assembleias anteriores já terminaram com agressões e queixas na delegacia, e síndicos foram destituídos por decisões judiciais ao serem acusados de praticar irregularidades.

 

É o caso de Meiri Luci Adriano, eleita em 2001. Entre afastamentos e retornos, ela exerceu diversos mandatos, elegeu a filha e hoje integra o conselho do condomínio. Moradores dizem que ela influencia nas gestões dos últimos 18 anos.

 

A administração foi terceirizada e hoje está sob a responsabilidade da Adtec. Uma das críticas de opositores é que as últimas gestões usam procurações de moradores para levar pessoas não ligadas ao prédio para votar a favor da continuidade do mesmo grupo no comando. Sobre isso, a Adtec diz que “o progresso e a conquista” que o condomínio “alcançou sob nossa administração talvez justifique a grande quantidade de procurações que recebemos dos condôminos espontaneamente, que nos elegem em todos os pleitos”. 

 

“A Meiri e a gestão dela têm mérito por ter restaurado o Baronesa, recuperado o condomínio pós-interdição. Ninguém questiona isso. O problema é ficar perpetuamente no poder”, diz um morador que prefere não ser identificado. 

 

O marido de Meiri, Sergio Tulio Rocha, é advogado do prédio. Foi ele quem assinou uma notificação extrajudicial encaminhada a Fogaça em agosto. 

 

O chef foi multado em R$ 500 pelo condomínio por “difamar o nome” do edifício ao se referir a ele como “treme-treme” em notícias na internet. Fogaça nega ter feito isso e afirma que o termo foi empregado pelos autores das reportagens citadas pela acusação. 

 

“Treme-treme” foi o apelido pelo qual o Baronesa de Arary ficou conhecido graças a um período marcado pelas más condições de infraestrutura e conservação, que culminou na interdição do edifício pela prefeitura, em 1993

 

Na época, o poder municipal removeu os moradores do prédio e lacrou seus apartamentos alegando falta de segurança, principalmente devido ao precário sistema elétrico que poderia causar um incêndio e um “blecaute na Paulista”, como diziam notícias da época. 

 

O edifício Baronesa de Arary, na avenida Paulista, em 1994
O edifício Baronesa de Arary, na avenida Paulista, em 1994 - Katia Lombardi/Folhapress

“O Baronesa de Arary é uma espécie de cortiço vertical localizado no ponto mais valorizado de São Paulo”, definiu reportagem da Folha publicada em 19 de agosto daquele ano.

 

“Não existem extintores de incêndio nos corredores. Tapumes improvisados substituem as portas dos elevadores”, dizia o texto, que apontava que a eletricidade do prédio tinha sido cortada pela Eletropaulo em 1990. “Os moradores, então, começaram a puxar ‘gambiarras’ pelos corredores.” Também há relatos de tráfico de drogas nas dependências do condomínio. Obras foram realizadas e o edifício foi sendo liberado até ser totalmente desinterditado, em 1998.  

 

“O Baronesa de Arary hoje é um prédio próspero, alinhado com as boas normas de convívio e ordem. Reconquistou sua valorização moral e patrimonial”, diz a gestão atual.

 

Na praça, antes da votação naquela quinta-feira chuvosa, uma moradora questionou se Fogaça se organizou para dedicar tempo ao prédio. “Nós estaremos bem assessorados, com uma equipe que vai fazer a administração, subsíndico. Vamos estar juntos!”, respondeu. “Dessa forma, o Fogaça vai ser o maestro. Quando tudo estiver em ordem, ele vai ser a rainha da Inglaterra”, brincou Rachkorsky. “O rei da Inglaterra!”, respondeu o chef. 

 

“A baronesa de Arary!”, gritou alguém do grupo. “A baronesa de Arary!”, repetiu Fogaça em voz alta. “Vou virar baronesa agora. Puta que pariu!”, brincou. Encerrada a reunião, ele se juntou com conhecidos para discutir os próximos passos. “É uma briga. E briga sempre começa com empurrão.”

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