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'Fui torturado. Sofri fisicamente os ataques contra mim', diz coreógrafo de 'La Bête'

Acusado de pedofilia por performance no MAM, Wagner Schwartz volta a se apresentar em SP e diz que superou a depressão e o medo para pensar em coragem e trabalho

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O coreógrafo Wagner Schwartz

O coreógrafo Wagner Schwartz Eduardo Knapp/Folhapress

O nome de Wagner Schwartz voltou a ser citado nas redes depois que o presidente Jair Bolsonaro divulgou no Twitter o vídeo de um homem urinando em outro no Carnaval.

 

Em setembro de 2017, o coreógrafo foi acusado de pedofilia e recebeu mais de 150 ameaças de morte depois que uma foto da performance “La Bête”, feita por ele no MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, foi divulgada na internet.

 

Na apresentação, ele ficava nu e manipulava uma réplica de plástico de uma das esculturas articuladas da série “Bichos”, da artista Lygia Clark. Em seguida, se quisesse, o público poderia articular o corpo de Schwartz, como se fosse ele uma escultura.

 

Uma criança, acompanhada da mãe, aproximou-se dele e tocou em seu corpo nu. Alguém que estava presente fez uma foto e, sem autorização, divulgou a imagem na internet. Foi um escândalo.

 

Agora, dois anos depois, o vídeo de Bolsonaro mobilizou críticos e apoiadores do presidente. Os que o defenderam invocavam a cena do MAM como exemplo de cenas impróprias e que devem ser censuradas, comparando a performance à cena escatológica divulgada pelo presidente.

 

“É como juntar água com óleo. Criam relações de coisas que não se relacionam”, comenta o artista sobre as comparações.

 

Passado mais de um ano desde o “caso La Bête”, como ele mesmo cita, o performer  carioca conta que ainda recebe ameaças e mensagens de ódio nas redes sociais. “Foi o pior pesadelo da minha vida”, diz. A voz fica embargada. “Você pode ver: até hoje, quando eu falo sobre o que aconteceu, fico completamente desconcertado.” 

 

O dia da performance, na abertura do 35° Panorama da Arte Brasileira no MAM, pareceu a ele um momento de celebração. “Foi um dos grandes momentos da minha vida como artista. Estava amparado por um entorno que legitimava o meu projeto e dava voz a ele. Foi um dia festivo. Saí de lá feliz.”

 

Ele só descobriu que as imagens estavam sendo descontextualizadas e seu nome atacado na rede dois dias depois. “Saindo de um espetáculo com a minha amiga [a mãe da criança que apareceu na foto], percebi que tinha alguma coisa errada. Ela estava chateada e seu marido andava de um lado para o outro”, lembra. 

 

No primeiro momento, diz que só conseguia pensar na exposição do rosto da criança. Foi só quando ele ligou o celular e recebeu uma enxurrada de mensagens negativas e ameaças que percebeu a “dimensão do que estava acontecendo”. Sua pressão caiu e ele começou a passar mal.

 

Grupos conservadores promoveram uma enxurrada de críticas ao espetáculo e passaram a demonizar a figura do artista. 

 

Em outubro de 2017, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a performance. Ele deu um depoimento de três horas na 4ª Delegacia de Polícia de Repressão à Pedofilia. Em maio de 2018, o processo foi arquivado.

 

O Ministério Público Federal também abriu um inquérito. A investigação visava determinar se havia no vídeo da performance crime tipificado segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. O MPF também pediu arquivamento da investigação, em fevereiro de 2018.

 

Mas só em dezembro “saiu o peso” das costas do artista. Naquele mês, a CPI dos Maus-Tratos, presidida pelo então senador Magno Malta, que o convocou para depor, foi encerrada.

 

“Quando soube que tinha acabado tudo isso, fui jantar com a minha família. Comemorei o fim de uma loucura, de um processo de esquizofrenia coletiva. Não era o meu problema que tinha acabado, mas sim o dos outros. A sensação do corpo era de liberdade”, diz.

 

Schwartz acredita que o estigma da nudez masculina tenha contribuído para que a imagem viralizasse e fosse atacada. “A nudez feminina virou produto, né? Ela é comercializada. Se eu fosse uma mulher deitada no chão, nua, e um menino tivesse me tocado, a gente não estaria conversando sobre isso.”

 

O artista, que vive entre Paris e SP, diz que pensou em desistir. “Tinha medo de ser reconhecido pelas pessoas e de ser atacado. Mas não consigo não fazer o que eu faço. É impossível não ser artista.”

 

Ele conta o que passou. “Fui torturado. Hoje, a atualização da palavra tortura é linchamento virtual. Sofri fisicamente todos os ataques contra mim.” Ele conta que teve pesadelos, ansiedade e perdeu o sono.

 

Em SP, passou a dormir na casa de amigos para se proteger. Quando voltou a Paris, diz que teve depressão. “Foi vertiginoso, fiquei sem chão.” Procurou a ajuda de especialistas. “Era um sofrimento que não era causado por tristeza, mas por algo mais profundo do que isso.”

 

No meio-tempo, recebeu amplo apoio da classe artística. “Eu não precisava falar porque as pessoas estavam falando por mim. Senti que ganhei outras vozes e outros corpos. A coisa deixou de ser pessoal e se tornou política.”

 

O suporte de seus familiares e de amigos também foi “essencial” para a sua recuperação. “Publicamente tentei mantê-los [familiares] bem longe de tudo, porque eu tinha mais medo por eles do que por mim.”

 

“Nossa, ainda bem que as ameaças não chegaram a eles. Não saberia o que fazer se isso tivesse acontecido. Eles são as pessoas que eu mais amo no mundo, sabe? São como um escudo pra mim”, diz enquanto leva a mão ao olho esquerdo para conter as lágrimas.

 

O artista conta que chegou a receber alguns pedidos de desculpas depois que apareceu na televisão e as pessoas “puderam enxergar” quem ele era. 

 

Schwartz cita o caso de uma senhora do interior de SP que lhe escreveu dizendo que iria passar a rever suas atitudes.

 

Olhando para trás, Schwartz enxerga que o “caso La Bête” estava inserido em um contexto maior de ataque aos artistas e cita o exemplo do “Queermuseu”. “Nós servimos de laboratório para essa disseminação de fake news no WhatsApp.”

 

Ele se juntou a outros artistas que também passaram por isso. Ao lado da atriz Renata Carvalho, da coreógrafa Elisabete Finger e do performer Maikon K, criou o espetáculo “Domínio Público”, que estreou em março de 2018 no Festival de Teatro de Curitiba.

 

“Foi vital para que nós, juntos, transformássemos a sensação de risco e de medo em algo produtivo.”

 

Schwartz relata que, durante a elaboração do espetáculo, ele ainda estava “muito contextualizado pelo medo” e se sentia anestesiado —ele diz que lia seu texto em cena, porque “cognitivamente não estava conseguindo decorar nada”.

 

Agora, o coreógrafo se prepara para estrear o espetáculo “A Boba”, durante a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de SP, no próximo domingo (17). “Sentia que também precisava fazer algo com o meu corpo, que ele precisava agir.”

 

Na peça, inspirada no quadro “A Boba”, de Anita Malfatti, ele estará sozinho no palco, vestido, e não terá falas. “A proposta é causar vários estados nas pessoas, do tédio à sublimação. É um desejo que ela ative o corpo de quem estiver lá.”

 

Ele conta que a página do novo espetáculo em uma rede social já recebeu ameaças, mas que não está com medo. “A democracia também está no corpo e na voz das pessoas que querem lutar por ela. O risco é palpável, mas o volume do corpo e da voz dessas pessoas também é.”

 

Ele segue: “Em vez de pensar no medo, prefiro pensar na coragem e no trabalho. Não estou ali [no palco] para agredir ou violentar ninguém, como nunca estive em nenhum dos outros trabalhos que já fiz. Tô ali para conversar com as pessoas do meu jeito”.

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