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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não somos reis de nada, somos serviçais', diz Carlinhos Brown

Ele e Bell Marques completam 40 anos de trio elétrico nesta folia

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O músico Carlinhos Brown em Carnaval de Salvador
O músico Carlinhos Brown em Carnaval de Salvador - Raul Spinassé/Folhapress

Carlinhos Brown, 56, chega dirigindo o próprio carro no Candeal Guetho Square, em Salvador. Com um turbante na cabeça, mira com olhar fixo para uma imagem de Santo Antônio e faz o sinal da cruz. Recolhe as guias de candomblé azuis e vermelhas e as coloca no altar de seu santo de devoção.

 

Bell Marques, 66, traz uma bandana na cabeça, um crucifixo no pescoço e um celular nas mãos no qual consulta insistentemente um aplicativo de mensagens. Ao mesmo tempo, escuta no fone de ouvido uma música nova que lançaria horas mais tarde. 

 

Dois dos principais ícones da axé music completam 40 anos de trio elétrico neste Carnaval. Mas, neste dia, estão em lugares e seguem caminhos opostos, informa o repórter João Pedro Pitombo.

 

Bell toma o rumo de sempre e segue de van para o Farol da Barra, onde desfilaria por seis dias seguidos. Brown vai para o aeroporto para desfilar em Natal, São Paulo e no arquipélago espanhol das Ilhas Canárias.

 

Ambos estavam na avenida no Carnaval de 1979. Bell era um garoto de 26 anos que não usava bandana e tocava na banda Scorpions, que saiu no bloco Traz os Montes. Brown tinha apenas 16, não usava cocar de cacique e tocava percussão numa banda de rock, a Mar Revolto.

 

“Naquela época a gente tinha muito mais perrengues, os trios ainda eram precários”, lembra Bell, que diz que sua principal referência no início da carreira foi Moraes Moreira. “Eu queria ser Moraes, imitava Moraes”.

 

Brown também lembra com carinho dos primeiros Carnavais. “Éramos crianças”, diz ele, que nos anos 1980 trocou o rock da Mar Revolto pela Acordes Verdes. A banda, liderada por Luiz Caldas, seria uma das precursoras do axé.

 

Quatro décadas depois, o cacique do Candeal fez de sua ausência do Carnaval de Salvador uma opção. Diz que era hora de respirar novos ares: “Não vou sentir falta porque, onde eu vou, levo a Bahia comigo. Da mesma forma que acho que a cidade não vai sentir minha falta porque o trabalho foi muito bem-feito nesses últimos 40 anos”.

 

Ele defende um reconhecimento da axé music, não como um ritmo musical, mas como um movimento que ajudou a recarnavalizar o país. O resultado foi o crescimento das festas de rua no Rio e em São Paulo, onde Brown apresenta-se neste sábado (2), no Bloco du Brasil.

 

“Acho que existe uma insegurança de quem fica dizendo que o axé está em crise. Eu nunca vi um movimento que reacendeu a música popular latino-americana para o mundo estar em crise”, diz o artista. Ele tem conversado com Luiz Caldas para retomar a banda Acordes Verdes no Carnaval de 2020: “Um carnavalesco que não devaneia, morre”.

 

Por outro lado, também faz críticas ao movimento musical que o consagrou: “O axé entrou na festa, se perdeu no fashionismo e perdeu o discurso. Esqueceu que nasceu para funções sociais. Tem que parar com essa ideia equivocada de rainhas e reis. Não somos reis de nada, somos serviçais”.

 

Bell Maques, que também faz sua estreia no Carnaval de São Paulo, no próximo sábado (9), afirma que as mudanças na festa seguem um curso natural: “É bom que o Carnaval de rua volte de forma muito forte. É uma festa que não é feita para a televisão, mas para participar. Basta bater um pandeiro e rolar uma energia bacana”.

 

A van estaciona ao lado do trio elétrico e Bell respira fundo antes de descer para iniciar o primeiro desfile de seu 40º Carnaval, na Barra. Não sem antes praguejar ao ver o trio de Claudia Leite ainda no Farol da Barra: “Vai atrasar”.

 

Como uma super-heroína das selvas, Claudia desponta na orla em direção a Ondina misturando a fantasia de Capitã Marvel em um trio caracterizado em homenagem à Amazônia. Reclama e pede desculpas ao público pelo atraso, resultado de um encontro de trios entre Saulo Fernandes e de Armandinho Macedo. “Acontece nas melhores famílias”, disse.

 

À coluna, Claudia celebrou a música de trabalho "Saudade", uma homenagem ao samba-reggae criado na Bahia. “É uma canção que vem das minhas memórias de infância, de inspirações que sempre tive em minha vida. Junto com Tatau e Xixinho, quisemos mostrar toda a força e beleza de nossas raízes soteropolitanas.”

 

Horas antes, na varanda do camarote Expresso 2222, Gilberto Gil fez aquela que será sua única aparição pública no Carnaval. 

 

Disse que ficaria mais recluso durante a festa e que não deve desfilar nem nos Filhos de Gandhy, afoxé no qual milita há 40 anos. “Eu já estou lá, já sou do Gandhy. Meu espírito está associado àquilo tudo.”

 

Por outro lado, Gil lamentou ter perdido a atração que mais queria ver no Carnaval: o grupo BaianaSystem. A banda iniciou o percurso no Farol da Barra com o equipamento de som ainda desligado. Mais à frente começou o desfile com homenagens ao Mestre Moa do Katendê – o público respondeu com xingamentos ao presidente Jair Bolsonaro.

 

Ao seu lado, Flora Gil, de volta ao comando do camarote após um hiato de um ano, diz que também poderá respirar um pouco mais no Carnaval: conseguiu dividir a administração do espaço com os empresários Marina Morena e Pedro Tourinho. O trio faz planos para o próximo ano: trazer de volta o trio elétrico Expresso 2222, com artistas nacionais e internacionais.

 

Este ano, o camarote voltou ao formato de abrir apenas para convidados. Flora diz que seu objetivo é manter um público diverso. “Aqui tem de tudo: a moça do docinho, o rapaz do candomblé, tem feio, tem lindo, tem gordo, tem magro, tem rico, tem pobre. Vai de padre a puta.”

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